Depois dos últimos anos imersa na realidade de
paixões platônicas e pseudoamores, percebeu algo que tinha chance de mudar a rota da sua
vida: tratava-se apenas de transferência. A sua alegria de viver era representada
pelo outro, só existia com o outro e por ele, estava na paixão que sentia, na vontade de estar junto, nas músicas
e livros dos quais aprendera a gostar, que a lembravam de momentos.
Descobrira: esses momentos (e qualquer outro) enquanto aconteciam, não pareciam ter importância alguma. Só se tornavam importantes - vitais! - ao passarem de presente para passado.Não ter como voltar tornava esses instantes, que poderiam ter sido banais, no mais importante: já não os tinha. O desejo pelo que não se pode alcançar.
Descobrira: esses momentos (e qualquer outro) enquanto aconteciam, não pareciam ter importância alguma. Só se tornavam importantes - vitais! - ao passarem de presente para passado.Não ter como voltar tornava esses instantes, que poderiam ter sido banais, no mais importante: já não os tinha. O desejo pelo que não se pode alcançar.
Soubera: por não viver o agora na hora em que ele
acontecia, acabava com grandes perdas (algumas irreparáveis) lá no futuro. Sentia-se
órfã da própria vida, como se houvessem subtraído dela seus melhores dias. Alguém
deve ter culpa, oras. Mas... quem?
Tratava de passar logo com seu tratorzinho por cima do hoje, em especial quando o hoje machucava demais. Sem dor, sem dor, não olhe e siga adiante. Mas
esse “adiante” até onde fora, percebeu, era longe demais. E tudo o que ficou lá atrás, a dez quadras, a cem quilômetros, dez anos, talvez pudesse realmente ser importante.
Talvez não, é verdade - talvez não. Bem possível que não: suas impressões estavam sempre contagiadas por
emoções incertas.
E mais (sempre tinha mais): como sua alegria de viver era
representada pelos outros, não havia se dedicado nunca a descobrir o que de fato a fazia
feliz. O que era ela, afinal, sem essas pessoas? Quais eram suas referências?
Do que gostava e o que odiava por si mesma?
Naquele ano, foi atrás de duas pessoas do passado e as duas
lhe disseram sonoros “não!”. Não, você não pertence mais ao meu presente. Não,
não quero mais conversar com você. Não, já tenho o que preciso na minha vida.
Não, você não é insubstituível, baby. E o último, tão sonoro, causou
um silêncio grande dentro dela. Mas ecoou durante vários dias antes de deixar
tudo quieto.
E depois do silêncio, entendeu: então é isso mesmo... Enquanto
cultivava suas estatuazinhas de metal no jardim, cada uma representando uma
pessoa que para ela havia sido importante, os outros iam em frente sem
estatuazinha nem jardim, sem lembrança ou gratidão. A maioria, até, com raiva. É
verdade que – percebeu – talvez tenham sofrido, mas depois exorcizaram suas
desgraças e... seguiram em frente. Analisou que cada um tinha um jeito de lidar
com sua dor. (Mas achava tão bonito o seu próprio, pois conseguia manter uma tela
pintada com o que havia de melhor nas pessoas e nos dias que com elas vivera. E
a tela poderia ser pendurada na parede de casa, como uma sequência de cores que
dão o tom de uma vida em que se conhece pessoas a fundo.)
Para conseguir seguir em frente, ela guardava somente o que
havia de bom em tudo e todos. Esquecia o resto. Os outros, ao que parece,
faziam o contrário: guardando lembranças ruins pra, quando necessário, dizer,
quem sabe a si mesmos: ela é uma pessoa ruim, só ruim, só ruim.
Ela não era. Soube, depois. Que bom.
Faltava, agora, descolar as referências alheias da alma, se despir toda pra ver no espelho o corpo, a sombra e o rosto que eram dela, tão dela. E de mais ninguém.
(Texto de 2011)