segunda-feira, 23 de junho de 2014

Toda a vida

Foto retirada de: Ravishlondon.com

As pessoas e seus pesos na rua, quase consigo ver os balõezinhos com as preocupações. As que acordam às cinco da manhã e voltarão pra casa depois das dez da noite e moram longe e têm três filhos pequenos e nenhuma ajuda da família. As que acordam às seis para ir academia antes do trabalho e têm como meta perder 2,5 quilos de massa gorda em uma semana. As que compraram um carro vermelho e gostam de ouvir rock durante o trajeto de 15 sinaleiros e poucos quilômetros. As que não esperam mais nada da vida e têm olhos parados, secos, e que se assustam quando você dá um bom dia.

Elas continuam a acordar todos os dias e sair de casa para compromissos porque lhes disseram que a vida é isso mesmo: arcar com as consequências e lidar com coisas sérias. E ser sério e batalhar e nunca ceder ao mal estar da gripe. 

E elas aguentam desmandos e corrupção, engolem sapos e tentam dizer que isso ou aquilo está certo ou errado. Reclamam do preço da gasolina e gostariam de ajudar o pedinte que está na esquina mas dá medo de abrir o vidro do carro ou passar do mesmo lado da calçada. 

Preocupam-se com pequenas coisas e se arrependem. Esquecem de tirar a roupa do varal e maldizem a chuva das cinco e meia da tarde. Compram pão no domingo de noite e se ressentem da massa murcha em que ele se transforma na manhã seguinte.

Pedem umas às outras em casamento, se casam. Têm filhos sem saber se é isso mesmo que devem fazer. Tiram fotos e fazem festas de um ano, dois anos, três anos e depois reclamam que a criança quer um Iphone de presente. Dizem “no meu tempo” e se sentem velhas vendo os mais novos revirarem os olhos com tédio. 

Tentam se adaptar às mudanças do Detran, dos impostos, da sinalização e com a faixa exclusiva de ônibus que de um dia pro outro aparece na rua de casa. Desejam se aposentar o quanto antes, aí se lembram que quando estiver perto da aposentadoria estarão bem mais velhas e percebem que não tem porque desejar isso aos 25 anos. 

Erram na hora de escrever oje, muinto, intediada, dizem que uma pessoa não é descente quando querem dizer decente, emitem opiniões equivocadas sobre a política porque hoje é preciso ter qualquer opinião sobre tudo. Apelam para Nossa Senhora e viajam para conhecer o túmulo de Jesus e se sentem abençoadas com o nascimento de uma criança ou a cura de uma doença.

Pensam se deveriam falar com aquela pessoa especial e chamar para um cinema, pensam se aceitarão aquele convite para sair mais tarde. Se devem dizer que não, que já chega e é hora de cada um ir para seu lado. Cogitam se matar se forem abandonadas. Falam mal dos colegas de trabalho. Esperam uma promoção mesmo sem nunca ter pedido uma por falta de coragem. Pedem licença quando gostariam de pedir em namoro. Planejam falas e puxam assunto sobre o tempo.

Contam suas histórias para outras pessoas que têm outras histórias e as vidas acabam se misturando. Choram por mortes, fazem promessas por novos empregos, planejam iniciar uma rotina de exercícios físicos e incluir granola na dieta. Medem quanto o filho cresceu com marcas de lápis na parede da sala de casa. Acreditam em teorias da conspiração e escrevem comentários em letras maiúsculas em sites de notícias. Odeiam a Dilma e acham que o PT é a praga o Brasil. Simplificam raciocínios e não abrem mão de suas verdades absolutas. Jogam na loteria uma vez por mês e esquecem de conferir os bilhetes. 
Fritam ovos e jogam sal demais. Gostam de dar boa noite na hora do Jornal Nacional. Gostam de sentir a água na cabeça durante o banho e se afogam quando esquecem que não podem levantar o rosto e sentem o gosto da água quente entrando no nariz e saindo pela garganta.

Protegem as bolsas e carteiras de ladrões na rua, colocam senhas para entrar em casa, guardam o dinheiro todo no banco e usam a data de nascimento como senha de e-mail.

Indicam remédios para amigos porque funcionaram para o tio, indicam lojas de roupas, indicam restaurantes e destinos turísticos e depois dizem que você tem de ir. Falam que superaram os ex amores e falam mal dos pares atuais deles. Esquecem porque terminaram a última relação e sentem falta de coisas pequenas. Adotam a dieta da moda e contam que o shake faz perder 800 calorias por dia - pulando apenas três refeições a cada 24 horas. 

Confiam na memória do celular e perdem todos os contatos. Não confiam nos vizinhos porque um dia uma bicicleta foi roubada na garagem. Fazem terapia hormonal e teste de gravidez na mesma semana. Ficam horrorizadas com assassinatos e guerras e assaltos a mão armada no posto de gasolina. 

Atravessam a rua escrevendo uma mensagem no celular sem ver o ônibus amarelo em alta velocidade. 

E morrem sem terminar de digitar que aceitam o convite para jantar mais tarde - mas tem de ser depois das 20h porque têm aula de inglês antes. Apenas por distração.