sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Feliz ano novo, garota



Não acredito em datas comemorativas. São só dias criados pra organizar as pessoas em torno do mesmo interesse na mesma hora, o mundo gastando um dinheiro que nem existe com coisas desimportantes. Mas era virada do ano, eu tentando ser otimista e compartilhar votos de felicidade com estranhos a trezentos quilômetros de casa. Sozinha. E lá vinha o rapaz de camiseta branca e sua garrafinha de cerveja, embalado pela música eletrônica, seus dentes brancos mais brancos ainda com a luz negra do lugar. No mesmo instante em que ele decidia quem seria o seu próximo alvo eu só pensava quanto tempo levaria pra conseguir entrar em um banheiro. Passar ilesa pela fila de vinte garotas bêbadas e ainda encontrar um vaso sanitário razoavelmente limpo era a minha primeira meta do ano, eu já começava com desejos difíceis que era pra não perder o costume.

Ignorando a bexiga cheia de uma mulher e o mau humor que aumentava a cada segundo em que não havia possibilidade de esvazia-la tão cedo, ele vinha. E pro meu azar não era o tipo que eu optaria por mandar embora antes de tentar uma conversa minimamente interessante. Oh céus, ele tinha mãos grandes e bonitas. E a minha calça jeans apertada não estava ajudando em nada, eu que sempre odiei usar cintos...

E de tanto pensar que um dia ele teria de chegar até mim se continuasse naquela direção, o tempo parecendo maior e maior, ganhei um oi cheio de dentes sorrindo só pra mim, acompanhado de um movimento rápido da mão esquerda levando a garrafa até a boca que poderia ser minha em poucos minutos, bastava querer.
Mas... eu contra ela, a vontade de ir ao banheiro. Eu contra um órgão do meu próprio corpo. Eu contra a natureza, mas ser belo também é tão natural... E ele sorria com os olhos pretos amendoados também.
Os segundos passando devagar, a música aumentando de volume, a batida ficando mais forte, eu junto tudo e percebo: ele usa um bom perfume, é do tipo vaidoso. Academia quatro vezes por semana, pomada para o cabelo, certeza que ganhou o cordão de prata da mãe aos dezoito anos e nunca mais tirou do pescoço, tudo bem, gostar da mãe é tão raro hoje em dia.

Ele se aproximava mais do que o recomendado de quem está na situação garota-solteira-à-procura. Feliz ano novo, fala e já coloca a mão direita na minha cintura. A mão direita sobre a blusa branca que viu sua existência justificada em uma noite de réveillon depois de um ano inteiro no armário. Sim, eu quero um ano novo muito feliz, quero tudo o que for belo e puder sorrir desse jeito e pintar o mundo com cores tão vivas.

- Não acredito em ano novo.

Foi só o que eu consegui dizer. As luzes, as pessoas dançando Os Tribalistas, uma falsa loira quase derrubando um copo inteiro de vodka nos meus sapatos e foi só o que eu consegui dizer. Ele não entendeu, ele não precisava entender nada, basta sorrir, meu bem, você já provou que consegue fazer tão bem...

- Ahn, oi?

- Oi, tudo bem?

Você não precisa dizer muita coisa nessas situações, aprendi isso antes de saber que descrições de autores em orelhas de livro são escritas pelos próprios autores. Você só precisa:

a)      Sorrir
b)     Deixar sua boca, seu corpo e sua dignidade disponíveis
c)      Fazer pose de garota que diz sempre sim

Nesse último quesito, confesso, tinha certa dificuldade. As garotas que dizem sim são um grupo que abomino 364 dias por ano, afinal, tem o meu aniversário e a gente precisa dizer sim quando quer ter atenção. Mas sorrir e ficar disponível, bem, isso estava até sendo fácil diante da situação que me incomodava da linha do umbigo pra baixo.

- Quer ir lá pra fora comigo? Aqui dentro não dá pra conversar direito.

Eu iria pro inferno com ele se me garantisse que lá teria um banheiro lindo e espaçoso só pro meu xixi de ano novo.

- Por que não, né?

Ele não ouviria isso nem as frases que eu tentei dizer pelo caminho enquanto me puxava pela mão entre casais que se beijavam, garotas que dançavam até o chão e seguranças frustrados com o tédio de assistir a diversão alheia com ar blasé.

As frases que eu disse - sabe Deus quais foram - não eram importantes, eu entendendo isso a cada esbarrão que dava, a cada vez que ele apertava minha mão mais forte, virava pra trás e olhava como quem pergunta se estou bem. Bem, baby, bem desesperada pra ser homem e me aliviar em qualquer canto da rua, aquele poste ali estaria ótimo.

- Ufa... Achei que não ia conseguir tirar você de lá.

- Você me tirar de lá é o menor dos meus problemas...

O céu escuro sem nuvens, a rua vazia, o mundo vazio, uma lata de cerveja derramada na calçada pra lembrar que...

 - Como assim?

Você não precisa entender, querido, aliás, você não deve entender nada. Me diga que não entende nem a raiz quadrada de quatro e eu te perdôo por qualquer coisa que tenha feito até hoje.

- Xixi, eu preciso ir ao banheiro. E tem que ser... agora. E não tem banheiro aqui fora e as meninas bêbadas estão fazendo filas quilométricas pra entrar lá dentro e errar o vaso sanitário e jogar fora todo o papel higiênico no lugar errado!

- Você precisa ir ao banheiro... agora?

- Não, eu preciso de um padre pra confessar meus pecados antes de cortar os pulsos. Você tem um canivete?

- Vem comigo então!

Eu sendo levada pela mão e já estava me acostumando a ter um homem bonito me levando pra todo lado. Eu poderia ser essa, ele me salvando do apocalipse, bombas caindo, zumbis comendo pessoas e ele me puxando com a mão apertada em meio às multidões. Garotas, olhem pra mim: ele usa camiseta branca, tem um cheiro bom e me salva de mim mesma. O que mais eu poderia querer?

Atravessei o bar de uma ponta à outra, quase inconsciente. Tudo bem se eu fizer aqui mesmo? Podemos parar e eu vou ali atrás do balcão, que tal? E se você pegasse um copo de plástico pra mim e eu fosse ali no cantinho? As pessoas não vão notar, menino. Elas estão preocupadas com suas vidinhas pequenas e sem cor.
Lá na outra ponta ele abriu uma porta de vidro que dava pro quintal do lugar, um banco de madeira, uns matinhos e um muro que dividia o espaço com o final da rua.

- Aqui ninguém usa.

Hum? Quer que eu faça xixi na sua frente ali no arbusto, é isso? No muro, é isso? Ok, feliz ano novo pra você também.

Ele sorria e de repente não tinha mais a garrafa de cerveja na mão. Ela, com cinco saudáveis e belos dedos, segurava meu ombro e ficava tão bem parada daquele jeito. A outra apontava um lugar escuro que eu, míope, não enxergava.
- Não, sua boba, ali tem um banheiro que os clientes não usam. Tá vendo atrás do banco a porta? Pode ir lá...
Eu posso! Eu poderia pintar as rosas brancas de carmim se ali houvesse roseiras, ah poderia. Conseguia ouvir os fogos de artifício com duas horas de atraso. Efeito retardado causado por felicidade instantânea.
- Ah. Agora você vai embora e eu descubro que isso tudo foi um truque da minha mente pra eu encontrar um banheiro decente. E você na verdade é um amigo imaginário que eu criei só pra não me sentir sozinha nessa festa. E eu vou ali e quando voltar você vai ter...

Ele parou de sorrir e me puxou pra perto, a minha blusa branca se sentindo feliz pela segunda vez em tão pouco tempo e já valia mais do que o preço pelo qual foi vendida, e valendo mais e mais quando ele apertava o tecido com força o suficiente pra me fazer entender. Chegou perto, bem perto do ouvido e dos meus cabelos e da minha alma se eu ainda tivesse alguma naquele nível de tortura.

- Eu vou estar aqui...

Olá banheiro, adeus ano velho. E era o xixi mais feliz feito na minha vida toda.

Olhando pro céu com as duas mãos no bolso da calça e um jeito cativante de quem deveria estar exatamente naquele lugar, ele me esperava. Alto, lindo e pronto pra uma garota que (uh, agora sim!) acreditava em anos novos.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A alegria do fim



E o que seria de nós se nada terminasse, sem recomeços? Uma vida sem morte ou adeus, um pacote de bolacha infinito, uma fonte de Coca-Cola eterna?

Sou fã de recomeços. Sou contra ciclos que se fecham porque todos dizem que têm de ser fechados. Final de ano não é mais do que uma coleção de datas no calendário social que nos obriga a agir como Polianas que gostam de abraçar a família e ver a programação especial da TV aberta.

Minhas fases e ciclos se fecham, meu bem, de modo totalmente aleatório. Claro que a gente fica tentado a encerrar algumas coisas em dezembro, inciar outras em janeiro e prometer que a vida vai mudar, ora se vai!

Aí criamos mil motivos pra começar novos ritos, novos hábitos, cultivar novas flores no quintal. Que geralmente não florescem muito mais depois, igual orquídeas. Uma vez só e lá está o vaso com um galhinho estéril. Mas a gente fica, eu sei, tentado a escrever retrospectivas, agradecimentos, análises que no fim das contas não servem pra nada.

Porque está tudo começando e terminando o tempo todo no meu universo paralelo. Como um buraco negro que sai dentro de outro, últimas páginas que viram as primeiras da próxima história.

Mas eu me esforço pra criar minhas listinhas de:
1) Metas para o novo ano! 

2) Coisas que não vou mais fazer

3) Pessoas, histórias, casos e músicas ruins que devo arquivar, simplesmente, lá no fundo dos gaveteiros cinzas que um dia hei de tacar fogo

4) Vontades de realizar as coisas mais diversas 

Pra depois rasgar e começar de novo. E de novo. Ao infinito. E aí que está a graça da grande piada que é a vida: um caderninho em que se escreve e depois apaga, depois passa caneta colorida por cima e depois errorex e aí vem a professora e fala: que feio, isso não é um caderno de menina.

Eu sei.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

É hora de!

Reparou que esse lado chato e melancólico é só um dos pedaços meus? Quando o texto começa a se arrastar com histórias de personagens silenciosos e perdidos no tempo e no espaço, ih, é ladeira abaixo.

É hora de... qualquer outra coisa.

Escrever humor, poesia, músicas que nunca serão cantadas. Pintar quadros para exposições, criar roteiros de tv, crônicas para jornais, unhas coloridas com pinturas abstratas, escrever nas paredes da casa toda e deixar escapar versos pelo corredor do prédio, descendo escadas, todos os degraus felizes porque podem finalmente ler Borges.

Ou não.

É hora de se reinventar. De me reinventar. E as cores da paleta são cada vez mais infinitas, se isso é possível, porque se não for a gente inventa mesmo assim.

É hora de o que for necessário ou bom ou colorido.

É hora, é hora.

Um, dois, três e... valendo!


Não é do tipo que

Luiza não é do tipo que dança. Na festa dos amigos da empresa mal sai do lugar. Se esforça pra mexer os pés quando a banda começa a dizer que o samba não pode morrer nem acabar. Ela não se importaria se. É que não tem na garganta aquele grito preso. Não quer falar nem botar a boca seja lá onde for, menos ainda no trombone. 

Não espera nada do mundo além das seis da tarde e o ônibus que nunca chega. Se arrepende do sapato azul que comprou. Pede um remédio pra dor de cabeça na farmácia. Esquece o número do telefone de casa e depois descobre que melhor é mesmo isso: o silêncio do fim do dia quando ninguém pergunta nada, nem quanto custa a camiseta polo da vitrine.

Entre a mão apertar o trinco da porta e o som se propagar em ondas invadindo a casa inteira existe um universo que nunca ninguém nota, nem ela. O vazio ocupa a mente de Luiza enquanto o merchandising rola solto no capítulo da novela. Mas não acredita mais em comerciais de shampoo. A geladeira cheia só significa que ela não descuida senão o vazio toma, além da mente, a casa inteira. Coloca a televisão no mute e agora sim o que passa na tela se parece com a sua vida. Um carrossel rodando em silêncio com cavalos que não vão sair nunca do círculo colorido onde foram colados. E a música pode ser qualquer uma, ela tem a chance de escolher. Então decide que o silêncio combina mais com o escuro do que com luzes e matizes. E também com a falta de movimento. Involuntário, só o coração bate e continua como se o mundo precisasse tanto assim de euforia. Ao contrário dela, o órgão tem ritmo. Uma pena, Luiza não é do tipo que dança.

domingo, 18 de dezembro de 2011

As cartas que eu não mando

O fim de ano não é o fim de tudo: outros dias virão

É inegável: gosto mais de mim indignada com o universo. A moça boazinha que é feliz não tem tanto talento quanto a que tem raiva de coisas, pessoas, portas ou buzinas de carro. Ela é meiga e querida mas tem papas na língua. “Ai, e se eu disser isso e então...” Então dane-se, minha filha, que o que tem de ser dito tem de ser dito.

Quando me falta paciência as coisas tomam formas mais exageradas, grandes, com cores berrantes e é impossível não reagir a tudo isso. A reação é como se fosse o resultado de uma complexa equação de vigésimo grau que algum professor idiota colocou no quadro, com doze linhas mais parênteses, colchetes e chaves. O resultado é sempre algo tão absurdo quando a expressão que deu origem a ele.

E daí?

Daí que todo o absurdo que está no rosto de quem sua debaixo de um sol quente nas ruas eu consigo enxergar. Consigo ver o que tem no silencio, aquilo que quer explodir e só precisa de um empurrãozinho que pode ser um “posso ajuda-lo?” ou mesmo uma pomba que pousa no fio de luz formando um ângulo perfeito sobre a rua suja.

E só.

Cuidado: eu mudei de lugar algumas certezas

As pessoas continuam a andar pelas lojas e ruas como se um dia não fossem morrer.
E simplesmente não dá para ignorar tudo.

O fato é que preciso escrever aqui o que sempre escrevi, não dá para extinguir isso tudo e pronto, a vida continua igual.

A vida nunca continua igual, as coisas mudam e pra mim mais rápido do que para vocês todos aí do outro lado. Meu dia tem buracos negros que me transportam para lugares diferentes a todo momento. Às vezes esqueço o caminho de volta, aliás.

“É tão emocionante conversar com você, tem sempre tantas novidades”.

É, eu tenho. Uma por semana, uma por mês, uma em cada canto do meu tédio de estar aqui onde eu estou.
Agora é tempo de as pessoas cretinas fazerem planos para o ano que vem e avaliar o que aconteceu nesse. Quando na verdade nunca dá para entender o que aconteceu ou por que.

Preciso de música, gente legal por perto e um pouco de espaço pra fazer os passinhos de dança que ficam presos dentro de mim por eternidades. Eu faço os passos por aí, escondida no hall dos prédios sem porteiros ou quando não consigo abrir a porta porque a chave emperra toda hora.

Pois é.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Das coisas silenciosas

Do dia em que ela resolveu que não comeria mais couve-flor até hoje se passaram três anos. Nesses dias todos ela pecebeu que as coisas que não faziam barulho estavam entre as mais significativas do mundo. A flor do canteiro da rua não fazia, o leite na caixinha retangular não fazia, a nuvem com cara de coelho não fazia, a cutícula que nascia também não.

Nos silêncios que conseguia identificar nas coisas e pessoas, via um intervalo de vida. Um pequeno espaço entre o "a que horas posso ligar então para falar com ele?" e o suspiro de alguém que definitivamente não queria ser atendente de telemarketing. Ali naquele espacinho cabia muito de tudo o que ela não tinha, a moça do telefone.

Os espacinhos estão sempre por aí. Às vezes eles não têm cores, o que nos obriga a sentir mais do que ver. Respirar mais do que tocar, eles estão sempre por aí. Agora mesmo, nesse intervalo entre a música que acabou e a outra que vai começar, consegue sentir? Como ele não tem cor, você pode pinta-lo da que preferir no momento. Eu escolho o amarelo.

domingo, 6 de novembro de 2011

De não precisar tanto

Ah, os insights. Não sei se com você é assim, mas eles me abrem a cabeça vez ou outra. Quando cursava Letras na faculdade (sim, eu fiz isso até admitir que odiava uma disciplinas que não me lembro o nome), havia uma professora chamada Moema e ela era cheia dos insights. Estávamos na aula, carteira atrás de carteira, e ela simplesmente dizia: “gente, tive um insight. Vai todo mundo lá na biblioteca pesquisar sobre literatura portuguesa e depois voltem aqui que vamos conversar sobre o assunto” (ou um verbete qualquer no dicionário, ou sobre a pedagogia do oprimido, ou a receita de um bolo de laranja). E tirava as pessoas da sua normalidade pra fazer teatro, qualquer coisa que desse na cabeça na hora da aula.

Ah sim, os insights. Talvez isso aconteça com todas as pessoas do planeta: viver e respirar apenas, sem nenhuma outra ambição. Mas sentir uma falta de algo, láaaa no fundo da mente ou do coração, que te faça vibrar, que te faça ter vontade de pegar um papel higiênico molhado e fazer uma escultura. Sabe a vontade?

Pois é. Na maioria das vezes a minha vontade fica presa em um buraco, um buraco como aqueles feito em quintais norte americanos para se construir uma piscina. A vontade está lá, andando no quintal e pronta pra ganhar o mundo quando de repente cai no buraco e não consegue sair de lá mais porque os infelizes da obra não colocaram nem uma rampa pra ela. E ela circula, circula e depois de horas, resolve dormir. Tenho várias delas nesse buraco da piscina, olho de vez em quando láaa do alto, tenho vontade de resgatá-las, mas até essa me vai e cai no buraco. Sabe como? Imagino que saiba.

Mas os insights, eles conseguem fazer as vontades saírem todas juntas! Eles aparecem felizes e contagiam tudo à sua volta. Escrever, por exemplo. É vontade constante. Acontece que de repente envelheci, de repente a distância entre a ideia, o impulso e a ação ficaram maiores. A verdade é que se não é pra ser perfeito, se não é pra ser certo, bonito e bacana, prefiro não fazer. Deixo a vontade ir pro buraco por puro perfeccionismo, um pouco de auto boicote também. E aí vem um insight e me faz descobrir: não precisa nada disso, minha gente. Não precisa ser perfeito, não precisa ser legal nem precisa ser artístico, basta que eu goste de fazer. Não precisa ser em terceira pessoa, não precisa colocar açúcar e canela, não precisa pintar com tinta guache, não precisa se preocupar se o tom desafina, se a poeira foi tirada, se o corte está elegante.

A mim me basta ser.

E aí caem por terra (opa, agora sim) as mil teorias que me fazem desacelerar em uma simples lombada a ponto de parar o carro. Quê isso, quê isso.

Sem essa.

Ah, os insights. Obrigada, Moema.
(com a colaboração casual do blog Jaqueline e o país dasmaravilhas e da Mariana Aydar )

"E se eu..."



 Já falei que confundia nostalgia com saudade, certo? Nostalgia = saudade torta, que confunde o que passou na sua memória, limpando as manchas e deixando só os brilhos do raio de sol de dias passados. Saudade = falta de dias que foram importantes de alguma forma. A nostalgia é uma saudade míope, meio burra.


De tempos em tempos eu preciso pegar uma lupa e olhar para o passado, recente ou antigo, como que para me recolocar no centro da minha vida: ei, estamos aqui e é hora de seguir em frente. Moving on. Na maioria das vezes eu simplesmente ignoro o que passou e, com meu carrinho de golfe, vou andando por um campo verde, seguindo o pôr do sol. E sou boa nisso! Consigo passar por fatos e situações quase sem me despentear, lencinho na cabeça e um óculos de sol (mentira que isso não uso) e uma musiquinha indie no som do carro. Sim, meu carrinho de golfe tem rádio, e daí?

Muita gente precisa fazer retiros espirituais pra se encontrar, outras usam drogas, outras fazem psicanálise. Eu me sento em um sofá confortável e olho pra mim mesma, a Gislaine que fui até aqui. Se no dia a dia não consigo avaliar o impacto das minhas (sempre rápidas) decisões, quando faço isso, consigo. E me dá muito orgulho quando concluo que, sim, fiz o que havia de melhor e, sim, mudei pra melhor. Dá um calorzinho no estômago pensar que se eu tivesse optado por isso ou aquilo, não estaria aqui com essa pequena alegria que me acompanha mais agora do que antes.

Mas como eu dizia, pra me colocar no centro de novo da minha minúscula existência, olho pro passado. Claro que nessas horas sou tomada pelos vagalumes do “E se...?”. Eles ficam em volta da minha cabeça enquanto eu imagino todas as consequências que aconteceriam se os “e se...?” fossem “foi assim”. Então os fatos reais são delicadamente empurrados pela minha imaginação que é invadida por linhas diferentes, ações que não realizei, palavras que não disse, ligações que não fiz e ruas por onde não andei. E eles se transformam em um exercício engraçado porque nunca dá pra ir até o final com certeza de que isso ou aquilo teria acontecido. Só o que dá pra ter certeza é: eu não estaria aqui onde estou. E nem saberia que o aqui é bom se eu não tivesse feito aquilo que eu fiz, mas na imaginação não teria feito. Saca?

Eu e meu rolo compressor (sim, o carrinho de golfe TEM um rolo compressor embutido) caminhamos por aí, procurando sempre um lugar melhor para jogar. A planície onde dá para ver longe, longe e onde dá prazer andar cada passo.

Depois que costuro com a linha imaginária o futuro que não me aconteceu, as decisões que tive e os caminhos que deixei para trás, isso tudo forma um desenho bonito na minha cabeça. Claro que todos somos um pouco o que não fizemos, não fazer é uma opção. Não ser é também. Eu sou um pouco do que não quis fazer, do que não sou, do que não escolhi.

Eu gosto dos vagalumes, eles te divertem de noite e vão embora quando o dia clareia.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Caixa alta, férias, relógios

Ficar parada, sem trabalhar, para ela, era como estar no meio de uma grande corrida, com corredores desesperados, sem se mexer. Só olhando enquanto o mundo corre ao seu redor. E as pessoas esbarram nela: “Fica pelo caminho atrapalhando os outros, veja se pode uma coisa dessas”. E os coelhos brancos, com seus fraques e relógios estão sempre atrasados em busca de algo que não sabem exatamente o que é. Eles ficam satisfeitos, de vez em quando, ao conseguir chegar pontualmente ao trabalho. “Olha que legal, cheguei dez minutos mais cedo hoje, quer dizer que tenho tempo de respirar antes de receber um milhão de tarefas que não terei condições de cumprir hoje e que me farão dormir mal de noite e me farão chegar atrasada de novo amanhã, quando terei mais duzentas e trinta tarefas que não cumprirei porque se elas forem cumpridas, minha missão acaba aqui. E ainda sou jovem para morrer”.

Caixa alta, por exemplo. Não entendia porque as pessoas, ao escreverem em cadernos ou computadores ou recados para a empregada ou em letreiros de loja se davam ao direito de usar a letra maiúscula onde ela não era necessária. “Comunicamos os Funcionários que nesta Sexta-feira não haverá Expediente por conta da manutenção dos computadores da Empresa”. Quem disse que a pessoa poderia escrever Expediente em caixa alta? E aquelas que acham que os dias da semana têm de começar com letra maiúscula? É como se dessem uma grande importância a algumas palavras. Como rainhas que olham para seus súditos por cima, lá no alto, no castelo. E você pode dizer: não, não é com letra maiúscula. Mas depois virão outros anúncios, outros parágrafos, outras linhas com palavras que mandam nas outras palavras. E ninguém sabe por que. Simplesmente porque parecem ser palavras que precisam ser contempladas, idolatradas. Sexta-feira. Do alto de sua altíssima importância e de sua bondade de compartilhar a existência com as míseras outras, como sapato, cruzadinha ou blitz.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Silêncio: a cidade só quer respirar


A madrugada continua tendo aquela calma que me faz sentir. Nessas poucas horas Curitiba para, que é uma cidade que para sim. A Visconde de Guarapuava não tem nenhum carro às três e meia da manhã. As pessoas que se apressam ao meio dia, que suam esperando o semáforo abrir às quatorze horas e que esbarram em outras e pedem desculpas às 17h não estão mais lá às três e meia da manhã. Já foram embora, entraram nos ônibus do Terminal Guadalupe, compraram o refrigerante que tomaram vendo televisão antes de dormir. E estão em casa. Outras, sem casa, na rua. Mas paradas. Não andam a essas horas. Assim, a avenida, grande e cheia de luz, fica vazia de vida. O asfalto, feliz, descansa. E sente a temperatura mudar, grau a grau, até dar nove horas e o sol queimar ele novamente, até os pneus passarem, pouco gentis, duros, sem dar a ele tempo de respirar.

O Jardim Botânico de noite fica vermelho. Sim, a iluminação faz com que ele pareça uma flor estranha, daquelas que não sei o nome, talvez gérbera, três cúpulas vermelhas lá longe. Lá as flores e as outras plantas também dormem, que precisam estar bonitas para que as visitas do dia seguinte se encantem com elas. E digam que Curitiba é uma cidade linda. Mesmo não sendo tanto assim. Ou sendo só de madrugada, não sei ao certo.

Quando as pessoas dormem sinto que a cidade respira. Uma respiração pesada no início, mas que traz alívio e depois se torna mais leve. A cidade começa a dormir quando as pessoas começam a acordar. Quando ela se acostumou com o silêncio, o barulho já voltou a acontecer. As notícias são dadas com ares de grande importância. Novas mortes, brigas em boates, políticos metidos em escândalos, matérias frias sobre a troca de presentes depois do Dia das Crianças. Receitas culinárias em programas matinais. Capítulos antigos de novela reprisada gravada em um tempo em que nada disso ainda havia acontecido. Como era antes, será? Eu sabia, eu vivi aquela época. Mas ela parece distante. Depois de acordar, dormir, acordar e ver a cidade respirar, depois de ela se ressentir dos passos brutos que acompanha sobre si mesma aquele tempo me parece ter acontecido há muitas décadas. E talvez tenha sido assim. Então respiro, ouço o silêncio, presto atenção aos minutos, um após o outro que sem barulho se sucedem. E são marcados em relógios que devem despertar em algumas horas. Pra acordar pessoas que têm muitos compromissos e não podem se dar ao luxo de ouvir o silêncio.

Eu posso. Então fico aqui e o faço.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O ontem logo ali


Encontrei esse texto meu em um blog coletivo - Nosso Garfo de Cada Dia do qual fiz parte em 2006. Mais um com cara de "nem te ligo, tristeza". Gosto deles, formam uma série interessante.

Igual unitário
Gislaine Bueno


...Aliás, ontem me disseram adeus. Eu disse "até logo". Com cara de quem perdeu o trem. E a viagem. E ficou em casa, e tirou as pilhas do relógio. Eu pensei que a minha solidão fosse diferente. Mas ela me iguala. À você e à eles. Todos os eles que caminham por aí. Trazem em pacotinhos de pão as mesmas frustrações. Empurram portas giratórias. Tomam comprimidos coloridos pra doenças não-específicas.

Eu achei que havia algo de diferente nas minhas ações. Talvez houvesse um pingo de singularidade no conjunto de palavras, atitudes, silêncios. Não havia. A ilusão maior, e que move, é pensar que a sua vida daria uma grande história. Um romance? Um filme, tendo bossa nova como trilha sonora? E uma atriz fumando em um congestionamento, com cara de "eu sou cool"?
Alguns se conformarão ao se identificar com personagens da TV.

Mas a maioria das vidas não é capaz de preencher uma página de jornal. Destinam-se apenas à duas linhas, no obituário. Com erros na grafia de seus nomes. Valas comuns. Trajetos quase idênticos.

A minha solidão é como a do homem dormindo na calçada, como a da senhora na lojinha de costura, como a do rapaz que frequenta as altas rodas da sociedade e tem um grande círculo de relações.

Girando sozinho.

Os fins nos igualam. A morte, o adeus, o "não dá mais", o tchauzinho pro carro antes da viagem. Sentimentos me igualam. E o roteiro é universal. Com os diálogos previstos após dois segundos de olhar cabisbaixo e três segundos antes do abraço. Com a sequência exata de frases ditas e hesitações. As palavras de consolo são iguais. Votos de felicidade, tais e quais.

Então você entra na Casa dos Espelhos. E não acha diferença entre o que é e o que vê. Pensa em pedir de volta o dinheiro da entrada. Mas o cartaz, escrito ao contrário, diz: "a interpretação faz parte da prova".

O sentir-se só é tão igual, passei a pensar que ele nos unia. Que nada, ele apenas torna comum.
 
E isola.
 
Pessoas numeradas em códigos de barras.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ver a vida como filme ou como foto



Não pergunte quem disse ou onde está registrado, mas faz todo sentido: o modo de levar a vida tem muito a ver com a capacidade de colocar os fatos em perspectiva. É a diferença entre ver a vida como uma fotografia, onde só existe aquela cena, isolada de um contexto, ou de ver como um filme, onde cada cena contribui pra que a outra aconteça e tudo, tudo tem uma ligação.

O Bira, um puta professor de literatura brasileira que tive no curso de Letras dizia que em um bom livro, quando uma espingarda aparece pendurada na parede da casa de um personagem no início da história, ela tem de ser usada em algum momento dessa história, até o final do livro. Se algum elemento aparece gratuitamente, perdido, fora do contexto, é porque o livro não é assim tão bom. Na minha vida também tem sido assim. Aparecem detalhes, pessoas, situações que acabam sempre provando que até os segundos que me atraso ao sair de caso têm razão de ser.

E aprendo aos poucos a ver a vida como um filme. Uma ou outra cena, é verdade, me causa arrepio e dá vontade de gritar pelo pequeno pânico que meu estômago sente em alguns segundos. Mas passa. E mesmo quando acho que é só uma foto ruim, mal tirada, com uma paisagem ou companhia que não ajudam, ainda assim consigo ver a cena seguinte, as possibilidades das cenas seguintes. Colecionar fotos ruins também tem lá suas vantagens. Uma coleção de erros, defeitos e coisinhas estragadas. E monta um pequeno mural, o mural dos erros. Porque você consegue, se quiser, separar os seus dias por categorias. E isso é ótimo.

Adoro categorizar. Separar os fatos de acordo com temas, sensações, conseqüências.

Hoje fez um sol gostoso e o vento quente me fez lembrar dias de verão. Me fez lembrar tudo o que já senti em tempos assim. E, devo dizer, é tudo tão diferente hoje. Diferente pra melhor. Com mais de tudo, um pouco mais de pequenos temperos que fazem tanta diferença, tanta...

sábado, 20 de agosto de 2011

Clima organizacional - motivação e desmotivação


Não, o texto não é meu... Roda pela internet sem autoria e com muito sentido.


=)




Como funciona o mundo corporativo:




Todos os dias, uma formiga chegva cedinho ao escritório e pegava duro no trabalho


A formiga era produtiva e feliz. O gerente besouro estranhou a formiga trabalhar sem supervisão.


Se ela era produtiva sem supervisão, seria ainda mais se fosse supervisionada.


E colocou uma barata, que preparava belíssimos relatórios e tinha muita experiência, como supervisora.


A primeira preocupação da barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída da formiga.


Logo, a barata precisou de uma secretária para ajudar a preparar os relatórios e contratou também uma aranha para organizar os arquivos e controlar as ligações telefônicas.


O besouro ficou encantado com os relatórios da barata e pediu também gráficos com indicadores e análise das tendências que eram mostradas em reuniões.


A barata, então, contratou uma mosca,  e comprou um computador com impressora colorida.Logo, a formiga produtiva e feliz, começou a se lamentar de toda aquela movimentação de papéis e reuniões!


O besouro concluiu que era o momento de criar a função de gestor para a área onde a formiga produtiva e feliz, trabalhava.


O cargo foi dado a uma cigarra, que mandou colocar carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial.


A nova gestora cigarra logo precisou de um computador e de
uma assistente a pulga (sua assistente na empresa anterior) para ajudá-la a preparar um plano estratégico de melhorias e um controle do orçamento para a área onde trabalhava a formiga, que já não cantarolava mais e cada dia se tornava mais chateada.


A cigarra, então, convenceu o gerente besouro, que era preciso fazer um estudo de clima.


Mas, o besouro, ao rever as cifras, se deu conta de que a unidade na qual a formiga trabalhava já não rendia como antes e contratou a coruja, uma prestigiada consultora, muito famosa, para que fizesse um diagnóstico da situação. A coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um volumoso relatório, com vários volumes que concluía: Há muita gente nesta empresa!


E adivinha quem o besouro mandou demitir?


A formiga, claro, porque ela andava muito desmotivada e aborrecida.


Já viu esse filme antes?