segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Depois que eu me encontrar


Eu dobrei a esquina sem ter a mais vaga noção do que encontraria. Um dia com asfalto quente, sorvete mole escorrendo do palito, alegria-triste na mendiga da padaria, cachorro magro atravessando na frente da van escolar. O horóscopo não fez a previsão, não foi possível me preparar com antecedência. A cigana da praça não notou nas linhas de minhas mãos o evento futuro.

O Bom Dia Brasil não conseguiu antever os fatos. A precaução de senhoras aposentadas, contando seu dinheirinho antes de chegar no caixa da farmácia não seria suficiente para impedir meu espanto. O gato preto ficou surpreso e passou por baixo da escada. A moça que ia pular do décimo andar parou para ver, permitindo-se um último momento de curiosidade em vida.

O pedreiro deixou o cimento secar enquanto coçava a cabeça, intrigado com o que via. O vendedor de redes se abaixou, deixando a curva do final das costas exposta como sorriso de bêbado. O ônibus que caminhava para o ponto diminuiu o ritmo para esperar o fim do acontecimento. O certo é que num raio de cem metros o dia de repente estremeceu e decidiu apenas se arrastar.

Eu caminhava para a hora estranha de minha vida. Ele vinha correndo, aos tropeços, mais rápido do que o motoboy que capotou enquanto olhava a cena, mais devagar do que o piscar conformado do gato cinza que observava do alto de um muro. Estranhamente, ele vinha ao meu encontro. Não era possível enxergar sua intenção com tal atitude, mas o objetivo, visivelmente, era chegar até mim ou, no mínimo, me atropelar sem pensar duas vezes.

Pronto, agora você vai lá e continua essa história, porque eu parei aí.


Vendem-se ideias

Tenho muitas ideias e vontades aleatórias. Eu só não as realizo. Eu poderia ser paga pra ter boas ideias. Não essas que funcionam, técnicas, de resolver problemas, exatas. Mas as ideias aleatórias. Vendem-se ideias aleatórias. É, eu poderia ser paga pra criar esse tipo de coisa. 

Fui dormir ontem pensando que legal seria escrever um livro de presente. Assim: uma página por dia durante o ano todo e entregar pra pessoa no dia do seu aniversário. Pode ser um livro de histórias, mas pode ser só de frases, um pensamento que se pensou por dia. Aleatório, claro.

Tenho ideias de coisas pra se trabalhar: serviços que podem ser oferecidos, projetos que podem render muita diversão e, quem sabe, algum dinheiro. Presentes que podem ser dados ou construídos de forma bem específica.

Tenho ideias para nomes engraçados de livros. Ideias para histórias de livros, ideias para contos, crônicas e bilhetes.

Ideias de coisas bobas para se fazer na rua. 

Ideias eu tenho aos montes. Aos borbotões. Não me peça para executá-las. Posso contratar alguém pra isso. Vendem-se ideias. Ou: contrata-se gente esperta para colocar boas ideias em prática.

Não se pode ter tudo, oras.



domingo, 14 de outubro de 2012

Eu ia...

...dizer tudo o que senti hoje, por volta das 22 horas. Mas é tão bom e incrível e íntimo e me faz tão feliz que eu decidi guardar só pra mim.

Há.


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Eu estava errada. A resposta é: amor



Eu estava errada. A resposta é: amor. Tudo aquilo de se preocupar em conquistar sucesso, reconhecimento e espaço no mundo, tudo aquilo estava errado.

Nos últimos dias eu vinha dizendo que o fato de acreditar, sempre, nas pessoas e no que me dizem, acaba me prejudicando. E que eu deveria ser mais cética em relação ao mundo e às intenções de qualquer um que passe pelo meu caminho. 

No entanto, isso me torna cínica e desacreditada. Me leva a pensar que as coisas não valem a pena e que é a competitividade que move o mundo. Me torna descrente e sem vontade de participar de um jogo onde o mais importante é se dar bem.

E não, não é o que eu quero. Porque quanto mais desconfiada e “esperta” me torno, menos alegria eu tenho.
A resposta é amor. O sentimento que eu sempre tive em mim pelas pessoas, animais, pelo mundo e o que existe nele. O que senti hoje pela manhã foi que não sou alguém que busca vencer na vida com base nos parâmetros “comuns”, tais como dinheiro e sucesso profissional. Eu sempre acreditei que o natural é ser feliz com o que se é e o que se pode receber da vida, assim como o que se pode dar. E havia perdido isso nos últimos meses. Essa consciência de que, ei, não importa se alguém tem o objetivo claro de te passar para trás, o que tem importância é a minha própria sinceridade. Eu ainda ganho quando me mantenho sincera, ainda que haja alguém tirando vantagem sobre isso.

É como quando eu ofereço uma moeda pra alguém da rua que parece estar precisando de ajuda e alguém do meu lado diz “você sabe que ele vai usar pra comprar bebida, não é?”. Sim, é possível, mas a minha intenção foi, sinceramente, de ajudar, dentro das possibilidades daquele momento. E você pode me dizer que o conselho sobre não dar dinheiro a pessoas de rua é útil, tem lá seu sentido, mas não pode me convencer que é mais importante ser esperto do que deixar o que sente te guiar.

A resposta é amor porque ele vai além do amor romântico, ele é maior do que uma amizade, ele está lá bem depois do amor próprio. É o amor pela vida e pelo que me acontece diariamente, pela oportunidade de conhecer pessoas e respirar e comer um pedaço de pudim de leite e achar que é a melhor coisa do mundo. É gratidão. É o amor de olha pra alguém que só mostra individualidade, que só fala de consumo e de coisas materiais e ver que mesmo essa pessoa é boa, essencialmente boa, não importa o que se esforce para demonstrar. É o amor que me faz sentir que, quando alguém grita comigo e tenta provar que está certo, é só uma necessidade dela de se fazer mais forte e se sentir menos pequena nesse mundo ou na situação que está vivendo. É o amor que me diz que não vale a pena deixar coisinhas bobas, que em geral mexem mais com o ego do que com o coração, acinzentarem meus dias, tirando as cores bonitas que eu tanto gosto de enxergar. 

Por isso, repito: eu estava errada. Eu posso nunca vir a deixar uma obra importante pra humanidade ou conquistar reconhecimento profissional ou mesmo ganhar dinheiro para viajar pelo mundo e... tudo bem! Assim como posso ser quem eu bem quiser aqui, dentro do meu coração, aquilo que me faz bem e me faz sentir que sou verdadeira. 

E o melhor: hoje acredito que eu já seja exatamente aquela que eu sempre quis ser.

E aqui logo abaixo está a música que conseguiu me fazer acordar para a vida, hoje pela manhã:

Bernward Koch - Walking Through Clouds



 

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Nunca vou ser

Cena de "O show de Truman", quando ele descobre que "o céu é o limite"


Eu tenho 27 anos e provavelmente a minha vida vai ser isso mesmo. Não vou ser uma grande jornalista ou escritora ou veterinária. Não vou oferecer uma grande contribuição para a humanidade ou uma história comovente que vá servir para algum livro ou mesmo um conto da Reader´s Digest. Não vou chegar à presidência ou diretoria ou gerência de qualquer empresa ou empreendimento. Não vou ganhar na loteria. Não vou aproveitar a vida loucamente, saindo por aí pra viagens ou aventuras que valham a pena e que vão mudar meu mundo. Não vou cantar, dançar, pintar, recitar ou qualquer outro verbo de forma a ser alguém diferente de tantos outros alguéns que andam por aí.

É bem possível que eu vá trabalhar em uma empresa, depois em outra e, se gostarem de mim, posso até permanecer por um bom tempo. Então vou mudar uma ou duas vezes de cargo, com sorte receber algumas promoções, com azar topar com gente que tem um santo que não bate com o meu (a-ah). Vou engolir muitos sapos e ter algumas recompensas morais fazendo um bom trabalho que, possivelmente, não vai passar disso: um bom trabalho.

Terei uma família, sim, com gatos e cachorros, talvez um marido, quem sabe um filho que aos sete anos vai me dizer que será um astronauta quando crescer. E eu vou alimentar esse sonho e dizer: ei, filho, você pode ser o que quiser nessa vida, tudo depende somente de você e do tamanho dos seus sonhos.

E eu vou saber que é mentira. Mas ele, bem, talvez só descubra mais tarde. Com sorte, só aos 27 anos.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

dois


A solidão de Mariana gosta quando ela fica em casa sem barulho, só ouvindo a rua que lá fora respira e guia as pessoas para seus compromissos. A solidão de Mariana gosta de ficar em paz sem ninguém por perto. Ausente de si e dos desejos.

Mas tinha lá suas vontadezinhas, pequenas ambições. As grandes, não, essas quase nunca. E para tudo o que desejava ela gostava de definir um número, como produtos em um catálogo, pratos em um menu. O três era o número das coisas impossíveis. Querer ganhar na Mega Sena era um três. Esperar o ônibus chegar era um cinco: o tipo de coisa que vai acontecer, basta saber esperar. O oito precisava de um pouco mais de paciência: poupar 30 reais por mês para comprar um massageador de pés. O doze era pra ocasiões especiais, aquelas que a gente não esquece e quer guardar em um porta-jóias. O porta-jóias, aliás, era um sete, coisas antigas que ficam pra trás aos poucos e de repente a gente não lembra mais que existiram um dia, como o trema, a letra cursiva e o óleo de soja em lata de alumínio. 

Trabalhar numa loja de turismo num shopping center era um oito: paciência pra atingir algo que ela ainda não sabia o que era, mas que com certeza iria lhe aparecer na mente como um pedido de hambúrguer que fica pronto e a senha fica no display em vermelho. Ou a atendente grita: vinte e sete. E lá estará o sonho que sempre precisou ter no coração, prontinho pra ela dizer: sempre quis isso. Enquanto isso, guardava dinheiro para algo que desejaria fazer um dia. Quem sabe uma viagem pro exterior, um anel de diamantes ou só o resto da vida usando uma roupa nova por dia. Coisas simples. 

É, é verdade que faltava a ela essa vontade louca de alcançar algo, de ter um objeto, de querer alcançar uma coisa com tanto desejo que doeria. E com essa falta ela tomava sopa diet todas as noites. Só queria paz nos pensamentos e um cachecol diferente por inverno e pra isso não eram necessários tantos projetos assim.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Sem barulho, nada feito

Imagem 1: Ideias agitando ao som de música disco no meu cérebro. Imagem 2: sem barulho por perto, elas apagam.


O silêncio me assusta e me deixa sem ideias. Justo eu, sempre tão cheia de palavras e opiniões e pingos nos is.

Sabe isso de morar sozinha? Sempre quis. Ter um espaço próprio pra fazer ou não fazer o que bem se entende. Quis, muito mesmo. Continuo querendo, a propósito. Gostei.

Tenho lá meus problemas com o silêncio, apenas.

É que em geral eu estou sempre ouvindo sons: música, televisão, telefone, pessoas no ônibus, no rádio, no mercado. Ficar sozinha já é comum. Em silêncio, não.

E assim como não fico em silêncio, não fico sem ideias. Como se fossem um casal de irmãos ou melhores amigos. Eu coloco músicas em sequência. Ligo a tv ao mesmo tempo em que ouço Nina Simone. Ligo o secador e leio as legendas do filme na TV. Desligo o secador e a TV e ligo o micro-ondas. Desligo o micro-ondas e vou para o banho. Antes de entrar no banho, mudo as músicas que estão listadas no computador.

No trabalho, fones de ouvidos sempre a postos. Colegas conversando, ligações telefônicas, o barulho dos dedos no teclado, a chuva, o pigarro das pessoas no banheiro, a CBN na caixa de som do chefe, o toc toc das moças sobre seus saltos. E a sensação de que tudo está no seu devido lugar.

Então estou em casa, lendo no computador. O texto me prende, me distraio. A música acaba e eu não percebo. O programa que toca as músicas na sequência para, mas eu continuo lendo. Alguns minutos depois e... parece que estou em outro mundo, tão, tão diferente. Então eu percebo.

Ao invés de melodias, é a ausência delas que enche a sala do apartamento. E os pequenos sons ficam ao fundo: o vizinho chacoalhando as chaves antes de entrar, carros lá longe, alguém chamando pra janta, um cachorro latindo dois andares abaixo do meu. E eu me dou conta de que fiquei em silêncio sem querer. Bem, sobrevivi. Mas tenho medo: irão as ideias todas embora?

Por um instante é o que parece. De noite e em silêncio, o que sinto é que o mundo, como eu, resolveu tirar umas horinhas pra ficar sozinho, mas não sabe bem se foi a melhor opção. Minuto a minuto percebo que ainda estou viva e, ora, pode ser bom. De repente é o caso de deixar as ideias se assentarem... Elas, que ficam o tempo todo dançando Stayin' Alive no meu cérebro, de meias brilhantes em um salão colorido. Pode ser bom encontrarem um espaço pra respirar e, ufa, descansar da tensão que é ter de entender tudo o tempo todo e ainda mostrar resultados.

Deitadas desajeitadamente em pufs e travesseiros, as ideias parecem mesmo gostar do descanso. E se acomodam lado a lado, estiradas. Uma já diz que dá até para praticar yoga nesse silêncio, mas as outras, espertas, alertam: praticar yoga é fazer algo - que tal não fazer nada?

As ideias se dedicando ao nada e eu sobrevivendo ao silêncio, tentando tirar dele algo de útil. Minha atual definição de morar sozinha.

P.S.: Talvez seja bom admitir, ainda em tempo: sou bem melhor com música e barulho. O mesmo silêncio que me acanha me torna uma escritora medíocre.