domingo, 26 de maio de 2013

Poesia, lirismo e sentimento



Perder o sentimento é assim: de se fazer todo dia as coisas da vida, ele vai embora. Mas não é um sujeito ativo, é passivo: a gente é que deixa ele ir embora. Porque tem preguiça de cultiva, cavar, regar.

Eu perco o meu sentimento - e nem é por pessoas - assim, por displiscência. Aquela coisa da vida ser bonita. Não basta ser bonita, tem de emocionar.

Sou bastante ligada a espiritualidade e músicas de meditação sempre mexeram comigo de maneira positiva. Dia desses coloquei uma delas e... não senti absolutamente nada. Foi como se existisse só um vazio, um vazio que não se incomodou com nenhuma nota, que não sentiu calor ou frio, que não se deu ao trabalho de olhar pra fora pra ver se havia um mundo girando. Foi bem estranho. E passou.

Eu fico bem contente quando algo consegue me trazer de novo um sentimento genuíno, forte, dos que comovem e fazem perceber que é importante sim ser tocada lá na alma. Tem pessoas que conseguem fazer isso e sou grata por encontrá-las pela vida afora. Mas também tem músicas e livros e cenários e comidas e filmes que me dizem: ei, sente, é vida!

(E um filme acabou de fazer isso comigo. O nome é Léo e Bia, foi dirigido pelo Oswaldo Montenengro e conta a história de um grupo de amigos que fazia teatro nos anos 70, em Brasília. Um roteiro como outro qualquer, mas com poesia, música, sentimento.)

Mas é preciso estar aberto a isso: buscar o que se quer sentir. Eu acabo deixando de lado, precoupada com o hoje, o ontem e o amanhã, brigando com pensamentos desalinhados e tentando fazer das vozes interiores um coro harmonioso (quando não passam de um grupo revoltado em pleno protesto na Avenida Paulista).

É esse sentimento - que volta e meia perco - que me conduz a lutar pelo que desejo, a ver lá dentro o que é real e o que é projeção, o que é importante e o que não passa de uma unha lascada. E preciso disso todos os dias porque no intervalo de tempo em que não tenho isso o tempo nem passa direito, fica só se enrolando, em círculos, com dois palitinhos malucos dando voltas num prato vazio.


domingo, 12 de maio de 2013

Trajetória parabólica


Esse é meu maior medo. Muita gente tem medo da morte. Tá, também tenho, como é quem vai saber? Tem os do medo do escuro. Que eu só tenho bem às vezes. E tem o medo da Lady Gaga. Ah, quem não tem? Não? Eu tenho.

Mas não era isso. Era: medo de ficar parada.

Você sabe, ficar no mesmo lugar, sem evoluir, sem mudar, sem ter um novo cenário e novas aspirações.

Sim, você sabe, é um medo imaturo. Eu nunca disse que era madura. Apesar de me dizerem o tempo todo, desde que era criança: nossa, como ela é adulta. Digo: isso não é bom. Inverter o jogo não é bom: ser adulto na infância e bocó na vida adulta. Tem de ser bocó na infância e tá tudo certo.

Mas não era isso, era?

Ah, então. O lance de ficar parada. Eu tenho medo. Então mudo. Ok, as mudanças podem ser superficiais, mas acontecem. Você sabe. De cidade. De emprego. De namorado. A disposição dos móveis. A hora de acordar.

É que eu gosto de começos. É que tenho medo de finais. É que sou movida a emoção. Eu enfrento de cabeça erguida um novo lugar, novas pessoas, novidades, novas variáveis. Não enfrento bem o já estabelecido. Não enfrento bem o fato de saber o que vai acontecer na semana que vem.

Uns tempos atrás eu me obriguei a analisar essa mania de mudar. Sem ir muito fundo, dá pra dizer que o que é real me assusta. O começo é mais um campo imeeeenso de probabilidades. Gasto toda minha energia e obsessão até certo ponto. O alto de determinada parábola em que a bola alcança seu ponto máximo em X. E depois começa a cair. E ganhar mais força. Até... Eu conseguir lançar a bola de novo. Dessa vez tem de ser mais alto. Mas nem sempre é.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Direto do Túnel do Tempo

Era 2006 quando digitei isso aí ó. Fazia tanto sentido...
 
Se virar o vento...

Naquele domingo chovia e o dia estava estranho. A sombrinha era velha e a menina, nova. Os carros passavam devagar. Um carro insistia em passar ao lado. O moço do carro olhava e ela teve medo. Ele passou de novo. E de novo. Ela desviou o caminho. Se o carro passasse de novo ela iria até a porta e diria: não gaste tempo ou gasolina comigo.A chuva parou. O carro não passou mais. A sombrinha se tornou um incômodo.

Ela estava lá, na hora marcada. As pessoas caminhavam, conversavam. Ela estava apenas parada. Sentada, esperava. Ela estava lá. Na hora marcada. Chegou. Conversaram. Tinham vinte minutos. Ela começou a fazer contagem regressiva. Faltando quinze minutos viu que o tempo era curto. Faltando dez achou que era tempo demais. O ônibus chegou. Ele deu um abraço, dizendo "não posso fazer o que eu quero, não pode ser como eu quero", e entrou no ônibus. Viajou, foi embora. E agora era ela quem precisava voltar pra casa.

Achou melhor pegar um ônibus. E como não chovia, pensou que seria bom descer alguns pontos antes de  casa pra caminhar. Quando desceu, começou a chuva. Tudo bem, pensou ela, tenho uma sombrinha. A sombrinha não pensou nada, apenas virou com o vento. Se arrependeu em seguida e voltou ao normal. Não que adiantasse alguma coisa. A chuva era forte. Faltavam ainda seis quadras.

Os carros passavam devagar. Ela se escondia da chuva. E das pessoas. Um casal se abraçava embaixo de uma marquise. Faltavam ainda três quadras, a roupa estava pesada. Um senhor na rua corria em um ritmo certo demais. Ele não fugia da chuva, estava fazendo exercícios.Ela andava devagar, era cedo ainda. Pisava nas poças de água e deixava a sombrinha virar. Não tinha pressa, era cedo. E ela não tinha hora marcada.

domingo, 5 de maio de 2013

Faz tantos anos, garota...

Fomos amigos um dia.
As coisas eram legais.
Tive saudade.


Tudo ficou pequeno e distante: um amigo, um dia.
Faz quanto tempo e... por que mesmo não somos mais os mesmos?


A saudade aparece às vezes e me fala
que as coisas têm de ser ditas às pessoas - e não escritas em computadores.
Eu finjo que não ouvi e faço: tsc.
E boto uma música velha pra tocar.



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Platonismo: a vida, o livro e o capítulo




Enxergar as consequências do platonismo na vida daquela moça é a coisa mais fácil do mundo. Ela passa os seus dias entre as possibilidades do universo paralelo, onde as milhares de coisas que não faz são realizadas das mais divertidas maneiras. As coisas que jamais aconteceram, essas eram as melhores. O beijo que nunca deu, a viagem que nunca fez, as amizades que não criou nos bares que não frequentou. O garoto com quem não ficou, o sexo que não aconteceu, o emprego que não conquistou, a faculdade que não fez, a rua por onde nunca andou e a árvore onde nunca escreveu seu nome. Das coisas não realizadas ela fez seu platônico mundo perfeito. E nele vive cada dia enquanto trabalha, caminha e respira no mundo real, onde nada é tão importante assim.

Mas se é pra contar a verdade, então é bom dizer que o platonismo só passou a ser a forma de viver dessa moça por causa de um garoto. O primeiro por quem foi apaixonada e que a fez negar pra si mesma qualquer chance de ser notada.

Eram os anos 90 e ele usava sempre uma camiseta regata laranja listrada, tinha olhos verdes e andava pelo pátio da escola do primário. O sol fazia sombras engraçadas no meio do jardim com arbustos e as crianças suavam, correndo sem rumo, até o fim do recreio. Às vezes brincavam de pegar, em círculos, enquanto ela comia bolachas wafer com iogurte.

Em uma manhã qualquer, ela estava no pátio, sentada, fazendo o que mais gostava: olhar as crianças e seus jeitos diferentes enquanto o sol esquentava seu corpo de dez anos de idade. Olhava para o garoto que pulava e brincava com amigos sem enxergar a gravidade da vida e, meu Deus, talvez nunca viesse a enxergar. E no pequeno intervalo de tempo entre ele tirar a mão do bolso da calça e olhar para o relógio digital, mexendo nos cabelos loiros que caíam sobre os olhos, ela se assustou com a descoberta que veio sozinha e a fez ter uma certeza absurda que não podia nem explicar, mas que deixava muito claro: ele nunca vai me dar bola. Nunca, nunca, nunca.

Nunca.

Como brincar de qualquer coisa depois dessa certeza tão funda, doída, e, para ela, totalmente real? Como pensar em tabuada e pronomes pessoais depois de um momento de lucidez que não combinava com a idade de uma garota que se arrumava todos os dias para que ele, só ele, olhasse pra ela daquele jeito de quem quer dizer algo e nunca diz? Como comer o sanduíche de queijo que a mãe iria lhe preparar assim que chegasse em casa? Como assistir o telejornal com o pai e depois ler gibis? Como viver depois?

Era só uma terça-feira da infância e a promessa de uma vida inteiramente platônica acabara de acontecer pra ela. Aos dez anos ela já não se via capaz de conquistar as coisas mais simples como um olhar de cinco segundos do garoto da quarta série. Obviamente que décadas de frustrações a esperavam, pacientemente, ainda que não soubesse que naquele momento em que acabara de definir seu papel no próprio futuro: a garota dos amores que não aconteceriam. Ou a garota que só não teria o que mais desejasse na vida.