terça-feira, 17 de abril de 2012

Partes do livro que escrevi que talvez nunca exista de fato

"Ainda são cinco da manhã, mas o sono foi embora há 10 minutos. Liliana encara a luz do poste que entra pela cortina e sabe que não há o que fazer nesses minutos todos. Logo deve passar o tio dos salgados rua acima com o carrinho barulhento com rodas velhas. Geralmente essa é a hora do xixi, quando a bexiga cheia trava uma batalha contra a preguiça. São sete passos até o banheiro, mas o problema é toda a operação que envolve a mobilização dos ossos e músculos, o tatear da mão em busca do interruptor, dez segundos sentada na privada. E é arriscado fazer todo o trajeto só para descobrir que o papel higiênico acabou e ainda faltam três horas para o mercado mais próximo abrir. Ela acha constrangedor comprar papel higiênico na padaria, por mais que muita gente faça isso. Não conseguiria olhar pra cara da caixa e ouvir: “quatro e cinquenta” enquanto ela coloca na sacola o pacote e fala: “próximo”. Constrangedor.
Hoje é um dia desses em que a luz do poste está especialmente clara, as rodinhas do carrinho de salgados passam fazendo tic tic tic e o papel higiênico pulou todo para a lixeira, já usado. Mas quem sabe o sono pode voltar atraído pelo trio cama-coberta-posição-perfeita. De costas, a perna esquerda dobrada, a direita esticada, as mãos debaixo do travesseiro e a pontinha do nariz pra fora, respirando só o necessário. Ontem no jornal passou matéria sobre infecção urinária: pode surgir em mulheres que demoram muito tempo para fazer xixi, horas com a bexiga cheia. Infecção significa ter de arcar com o preço alto dos antibióticos. E toda aquela história de tomar a cartela toda senão a bactéria volta, mutante, mais forte que antes. Bem, se esquece de comprar até papel higiênico, quem garante que irá se lembrar de tomar comprimidos a cada oito horas? E se a infecção piorar poderá precisar do cuidado de outra pessoa. As piores hipóteses surgem pra amendrontar Liliana que de repente precisa respirar mais fundo: a vizinha, a tia, a avó evangélica. Terá de faltar ao trabalho e a nova funcionária, a que usa um quilo de pó de arroz por dia, poderá magicamente mostrar que tem cérebro ou peitos e conquistar o seu espaço, novas vantagens na empresa e elogios forçados por quem quer mais e mais rendimento. Seria então “Olá tia Carminha, adeus emprego”. Três minutos de suposições com pensamentos bola-de-neve bastam para a decisão final: um banho e pronto.  Água corrente, sabão pelo corpo e o xixi caindo urgente pelas pernas. É mais quente que a água do chuveiro. Em pouco tempo está livre da infecção urinária e ainda garantiu o emprego. Pronta para o trabalho, não são nem seis da manhã. Banho curto, ela teima em acreditar nas verdades ecologicamente corretas. Foi na revista que leu que se os brasileiros diminuíssem o tempo de banho de 12 para 6 minutos diariamente, seria possível economizar toda a energia produzida em Angra dos Reis em um ano. Pra gastar, é claro, nas luzinhas de Natal. Que a beleza ainda é mais importante que saúde, óbvio."

Tudo bem, tudo bem

Sinto falta de escrever. Então às vezes entro aqui e no blog antigo e leio, leio, leio. Quase não me reconheço. E na hora de começar um novo texto é o cursor que fica piscando e me pergunta: e aí, garota? E aí, e aí? Aí o que está lá dentro das milhares de voltas do meu cérebro não consegue achar a saída do labirinto. E o cursor tira um baita sarro: que patética, olha só. Pra quem tinha sempre tanto a dizer, ter brancos é ridículo. Eu acho, sempre, o tempo todo.

Mas as coisas são ridículas e... tudo bem ser assim.