quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Pra quem me mostra novos caminhos



Pessoas me inspiram. Eu convivo ou esbarro com centenas delas todos os dias e algumas têm a capacidade de me fazer parar (o que é raro) e refletir sobre o que eu escolho ou faço na minha vida.

Uma dessas pessoas tem só 23 anos e me recomenda filmes na locadora onde vou toda semana. Mesmo sendo jornalista, vá lá, eu tenho alguns preconceitos que me fazem ter vontade de bater a cabeça em muros de chapisco de vez em quando. Rapazes nessa idade não estão preocupados com o futuro, com a vida, com o mundo. Mas o Charles me fala, um dia, sem propósito, que quer trabalhar em uma função que pague mais porque precisa de dinheiro pra ter uma casa, um carro, que quer ter logo duas filhas. Peraí. Como assim? Então ele explica que já trabalha “desde muito novo” e que já é hora de construir algo pra ele. E eu me espanto. Isso porque tenho quase 30 e nenhuma definição na minha vida. Porque não tenho projetos ou sonhos grandes como esse de ter uma família, filhos. Porque tenho talento pra procrastinação – adiar tudo o máximo de tempo possível. Como a carteira de motorista, um processo que consegui arrastar por quase dois anos e ainda assim não tenho esse mísero documento em mãos. Aí um garoto com cara de dezoito e jeito de quinze me diz que sabe muito bem o que quer na vida e que não vai ficar parado esperando algo acontecer, “vendo o dinheiro passar ali na frente sem poder alcançar”. Então eu percebo o mundo correndo ao contrário e todos os conceitos prontos se desmanchando no ar, e vem uma voz e diz: tai, você que adora se surpreender, parabéns. E me olho no espelhinho da nécessaire de maquiagem: e você, garota, o que quer afinal da vida? Onde estão seus projetos? Fecho o espelhinho pra me distrair com outra coisa.

Outra pessoa que me deu um bom tranco foi uma amiga de trabalho. Enquanto eu me enrolava para terminar (ok, começar) a monografia da pós-graduação dando como desculpa o cansaço do dia, do trabalho, de uma vida, Patrícia dava aulas em uma instituição pública, era assessora de imprensa por meio período e ainda fazia cursos de cinema e mais alguma coisa como ouvinte para melhorar o currículo e pegar mais experiência em uma das áreas em que dava aula. E nesse meio tempo ela já havia terminado sua dissertação de mestrado. Um dia, pegando carona e olhando pra essa energia toda ao meu lado e para minha própria inércia, perguntei: como? E ela me explicou sobre ter feito a dissertação no meio de tudo: havia percebido que durante a madrugada ela se concentrava melhor, pois não havia barulho e ninguém da casa a interrompia. Foi assim que redigiu, pesquisou e concluiu o trabalho, das três às seis da manhã durante meses. E eu sem coragem de me olhar no espelho retrovisor do carro. Mas foi com essa inspiração que peguei o trabalho da pós-graduação, abandonado há meses, e o concluí. Em quatro dias. E ficou ótimo, tirei nota quase máxima. Pra eu entender que não é o tempo que eu tenho que vai me fazer produzir mais ou melhor, é a intenção, o foco, a decisão de, caramba, fazer de fato.

Acontece sempre de eu perder o rumo no dia a dia, de questionar, duvidar, protelar tudo aquilo que um dia coloquei como meta, se é que algum dia tive essa coragem. E então começo a flutuar em um céu só meu, onde nada mais importa além do fato de que tudo é uma grande abstração. Até que eu encontro, converso, escuto, olho pra pessoas assim. É como estar em uma grande corrida atrás de todo mundo, isolada, e de repente perder a indicação do caminho. Aí aparece alguém: ei,é por ali, pintando novas indicações, às vezes até melhores do que as de antes. Pessoas remarcam o meu torto caminho e eu gosto demais disso.

E eu queria falar de outras que inspiram, porque elas são muitas e aparecem todos os dias. Mas hoje era o dia deles e de mais ninguém.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Escrever, amar bichos


Um dia ele disse: eu não quero virar um texto escrito no seu blog. Ou: você sabe que eu gosto de cachorros, né?
Algumas frases são comuns aos meus namorados ou pretendentes a. “Você sabe que eu gosto de cachorro” é uma delas. Eles precisam sempre me explicar que não são malucos como eu para conversar com bichos nos portões de casas desconhecidas, que não compram coxinhas nas esquinas pra dar pra cachorro de terminal, que não passam a mão em bicho de rua, mas que, sim, gostam de cachorro. Por mais que não os tenham, por mais que o último tenha sido doado porque “não tinha onde deixar na casa nova”, por mais que eles não pudessem entrar na sala e deitar no tapete e por mais que não pudessem pular no colo dos donos: Rex, vai deitar.
O outro receio constante é de mulher que escreve, porque mulher que escreve pode escrever o que quiser e a graça é que ninguém vai contestar, contestar o que se metade pode ser mentira e a outra metade pode ser inventada lá dentro dos sonhos? Mas invariavelmente vem um “aquilo era pra mim, não era?”, mesmo quando nunca foi. E quando é na verdade não é tão fácil de perceber, mas é fácil de tentar achar algum significado em palavras ali, tão expostas. Porque mulher que escreve tem sempre uma dor, uma alegria e uma vontade, todas presas no mesmo quartinho sem janelas querendo aparecer, dizendo: oi, estamos aqui e temos lápis de cor pra pintar o que quisermos. Pode ser uma história de menina pequena, de moça, de mulher velha, de barata, de sapato, de um homem que passa carregando baldes para vender no sinal. 

E então essas frases que são comuns unem as pessoas, mas talvez não signifique que elas sejam iguais ou que façam coisas iguais. Talvez signifique que vêem em mim coisas parecidas, as coisas que eu posso ou gosto de mostrar, as coisas mais fáceis: ela escreve e adora bichos. E isso é simples e me faz feliz, incomodando algumas pessoas e alegrando outras, mas principalmente, me fazendo feliz. Simples, bem simples.