domingo, 18 de novembro de 2012

A loja de livros, o amigo e o bolo




Era a segunda vez em dois dias que levaria um bolo. Sentou-se no banquinho da loja de livros e pôs-se a ler os títulos, nas lombadas, com letras viradas em 90 graus. Lia e não pensava sobre. Outra vez havia se movido, com coração acelerado, expectativa, cabelos penteados e corpo com perfume doce. Estar ali era provar novamente que com poucas palavras, até com pouca expressão da parte dele, ela iria até o fim do mundo pelo amigo. Bastava um pedido. (Machado de Assim, Lima Barreto, Ana Miranda, Heloísa Seixas). Começa a ler uma história. O telefone celular toca. Ainda no banquinho, treme.

Ela: - Fala...
Ele: - Então. Eu tava chegando aí quando vi a Lívia atravessando a rua.
Silêncio: ...
Ela: - Pegou os cds com ela, pelo menos?
Ele: - Peguei. Mas tô indo embora. Não tenho condições de ficar mais aqui na cidade, não mesmo. Mas obrigada. Tchau.

O tamanho do bolo só poderia ser comparado com aquele de trocentos metros que é feito no aniversário da cidade de São Paulo. A pressão percorre o corpo, da cabeça aos pés. Ela esperava que ele fosse encontrá-la ali. Estava ajudando depois do fim de um namoro do moço. E haviam marcado de ela, a amiga fiel, pegar coisas dele que estavam com a ex-namorada. E ela, a amiga, estava numa loja de livros usados, esperando. Então ele liga e desmarca. Liga e desmarca porque viu a ex-namorada no meio da rua e não soube lidar.

Bem, ela continuaria por ali, a vontade de andar também havia ido embora. Condenou-se pela expectativa, animação, as quadras que andou de maneira leve e feliz. Lamentou pela meia hora que passou embrulhada em uma toalha após o banho, os cuidados com as mãos, as unhas, a sensação de arrumar-se para.

Quis morar, de repente, no prédio ao lado da loja de livros. Bastaria subir dois lances de escada e o chão gelado a receberia. De braços abertos, rosto colado no azulejo, o mundo seria outro depois de uma decepção. Por agora, suava na nuca. Mudança de planos, ausência de idéias. Por algum tempo esperou que uma borboleta batesse as asas no Sudão para que o caminho dele se modificasse por aqui e ele aparecesse, sem mágoas. Das pessoas que passavam em frente à porta de vidro, nenhuma era o moço. Sustentava pequena alegria com passos se aproximando, o olhar no chão. (Melhor não olhar, deve ser, deve ser. Eram sempre outros.)

E porque se abalara de longe prali? Antes, de noite, o diálogo pela internet propunha um encontro. Não era ela o foco da situação, ele não iria até lá para vê-la. Ela, sempre coadjuvante, nunca protagonista. Mas topava porque estariam juntos por alguns momentos. Haveria o encontro. Gostava de estar com ele.

- Faz um favor para mim? Não quero ver ela, não depois de tudo. Vai até o apartamento e pede a minha coleção de cds. São poucos, eu te espero na esquina. Mas não dá mesmo pra eu ir.

Claro, somos amigos. Por que não?, claro, claro. Concordei, em absoluto. E não seria dessa vez que deixaria de dar belos conselhos que iam contra o que eu sentia.

- Mas olha, fale com ela novamente. Vá atrás, tente voltar!

Ela já sabia que estava cruzada a linha que separa o querer para si da amizade. Aquilo que torna impossível o outro olhar com desejo porque já se tem o olhar de amigo. E dali pra adiante não haveria mais o olhar que despertava dúvidas. Os poucos metro de distância entre dois corpos não seria diminuído com o encontro dos olhos. Não mais.

- Insista. Faça qualquer coisa e deixe arrependimentos para depois. Esqueça o orgulho.

De maneira insana, dizia ao moço-paixão para reconquistar sua ex-namorada. Que era pra ele o ideal de mulher. Perfeita em todas as virtudes e falhas.

Pensou que as palavras de incentivo seguiam uma lógica torta. Deviam partir dela pra si própria, era ela que precisava dessa confiança pra soltar tudo o que sentia, de vez. Pervertia o sentido do que se passava no coração. Desacreditava de tamanha covardia, que se travestia de coragem em palavras de ajuda.

Por hora, na loja de livros, era preciso traçar um rumo. Estava perdida. Sem o encontro, sem o moço, sem o papel de amiga que consola e faz piadas.

Na rua, as pessoas pareciam saber o conteúdo de suas idéias. Teve o homem que a acompanhou, à curta distância, e com certeza ciente daquela tristeza toda. Não aguentaria a exposição da própria ilusão, desviou o caminho para uma loja na qual nunca quis entrar. Vitrines, roupas, promessas de felicidade em dez vezes ou cheque direto para a Páscoa.

Achou por bem raciocinar sobre o acontecido. Contou a si mesma e admirou-se por tamanha infantilidade. O que estava pensando? Tinha por acaso doze anos? Amor platônico, ahn? E achava que isso ia dar em que? O que raios fazia no meio da cidade, enfrentando a dureza do sol das três da tarde e as pedras soltas na calçada? Quem estava pensando que era?

Lembrou-se. Não quis escutar o que se passava pela cabeça. Lembrou das palavras diretas. "Ela é o meu ideal de mulher". Como bexiga vagabunda após duas horas de festa, murchou. A auto estima e a vontade, quase pode ouvir o barulho da ilusão indo embora. Ideal, ideal. Mulher.

Poderia ligar e dizer tudo o que pensava e sentia. Poderia tentar algo. Poderia ter um não de verdade pra enfrentar, e não só ideias e hipóteses. Mas não o faria, sabia.

Em casa haveria Sessão da Tarde. Poderia fazer um bolo de chocolate e fingir que nada havia acontecido. Como única testemunha de um fracasso desconhecido, o suor caía pela testa. Duas quadras e poderia deitar no chão da cozinha. Ainda bem.

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