quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Da vida das pessoas

Foi numa dessas madrugadas que ela resolveu que é preciso ter ilusão para continuar vivendo. Ao menos, vivendo bem. E ela não encorajaria mais ninguém a sair em busca dos sonhos. Mantinha uma cenoura pendurada em barbante, e fazia questão de manter-se à distancia, olhando de longe: ela está lá.

Conquistar não era difícil, as coisas chegavam com o tempo, e de repente se dava conta de que o que fora tão desejado era parte da vida, e nem havia percebido. Podiam ser pequenas, mas eram conquistas. E existia um horizonte inteiro, aberto, rua onde se vê longe e quer chegar ao fim pra ver mais longe ainda.

Ainda não era tempo de realizar, era isso, só isso. Pensava que até as conquistas precisam acontecer no tempo certo, senão não é tão bom. Então cuidava pra que o tempo certo fosse identificado, do contrário, as coisas já não poderiam acontecer.

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Ele tinha acabado de amarrar o cadarço quando percebeu que o ônibus estava perto demais para dar tempo de chegar ao ponto. Então não havia porque se apressar. Fazer um laço no tênis exige concentração e o tamanho exato de cadarço deve sobrar no lado esquerdo, ou ia pensar nisso durante toda a caminhada que viria depois.

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Três anos vivendo entre idosos lhe dera a paciência que falta hoje nas pessoas. Ela é capaz de esperar um sinal abrir, fechar e depois abri de novo para só então atravessar a rua. E isso não lhe causa nenhum tipo de angústia. Admira-se da impaciência de salas de espera. Da rapidez das consultas médicas, do mau humor em filas de banco. Porque todos os momentos em que é obrigada a parar, simplesmente para e não cria expectativas.

Ela tinha fome de pintar, desenhar, fazer roupas, escrever. Queria definir o mundo em uma arte só sua, porque se sabia capaz. Sabia-se grande, a certeza de que quando fosse, ah, quando começasse ia ser maior do que a casa e a rua toda. Todas as ruas juntas, com as pessoas em seus dias de 24 horas e banhos de 10 minutos.

Eram muito poucas as pessoas com as quais se dava ao trabalho de conversar. Falar e falar era tão cansativo! Antes de abrir a boca, ainda com a idéia passando na cabeça, em um milésimo de segundo, já vinha a certeza: não vale a pena. Nunca valia. Assim passaram-se meses, talvez anos, porque também não valia a pena contar.


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