sexta-feira, 27 de julho de 2012

Tilt

Minha mente é programada pra pensar antes de sentir. Então eu me esforço pra sentir imediatamente à ação, teoricamente isso funcionaria, meu cérebro diz. Mas se a mente é esperta e ela mesmo me apontou essa hipótese, jamais vai deixar isso acontecer. É tudo um truque. Mas e se... e se... Oh céus, luta inglória... É algo parecido com o robô que foi desenvolvido pra nunca perder no joquempô (no vídeo ali embaixo). Ele identifica os movimentos tão rapidamente que consegue calcular qual será a sua jogada.



Pensar, pensar. É uma questão de manter o controle, o próprio e o da situação. Você conhece a necessidade de estar sempre no controle?

Quando eu era criança, tinha a sensação de que não podia dormir em viagens de carro. Um acidente iria acontecer se eu me descuidasse. Eu, ali no banco do carona. Ou no banco de trás, com minha pequena existência de seis, sete anos de idade. Minha família toda destroçada, o cachorro voando pelo vidro, o carro rodando na pista... Opa, preciso cuidar. Na primeira curva eu acordava. E ia conversando com meu pai por 400 quilômetros. Ele fingia não saber porque eu falava tanta bobagem enquanto todos dormiam.

Ainda faço isso. Acordo na curva e começo a falar pelos cotovelos.

Afinal, ainda não posso me descuidar. Das pessoas, dos objetos, dos carros, dos animais, da esquina, das contas, da bagunça de casa, do ônibus que vai chegar, do remédio na hora certa, da família, da porta que tem de ser trancada. Quando esqueço ou acabo sucumbindo ao cansaço: pesadelos. Fugas, perseguições, desastres, desastres, desastres. O caos. Sempre alerta, sempre alerta, o mundo pode acabar de uma hora pra outra se eu não estiver muito atenta. Se não souber o que fazer no próximo dia ou semana. Se não souber o que falar na próxima conversa. O que fazer em cada situação, eu sempre sei. Pode ser questão de milésimos de segundos, eu sempre sei. É um carma. Eu leio rápido, interpreto rápido, penso rápido, imagino rápido, mal respiro.

Sentir significa estar vulnerável a. E pra evitar, eu acabo me encapsulando. Plástico filme, papel crepom, plástico bolha, papel alumínio, pequenas quinas de isopor. Pronto, não há impacto que seja sentido. Eu andando que nem um pinguim agasalhado, quase sem me mexer. Mas olhando pra tudo. Prevendo problemas, ações, reações, anos. É quase patético. 

Mas como ninguém é só razão, tenho lá meus momentos de sistema fora do ar. Quando algo me atinge forte, ultrapassando todos os plásticos, papéis e tipos de proteção que carrego: tilt. Como é que não dá pra usar a lógica em tudo na vida? Como? Como não? Tilt. Uma mesa de pinball em que o jogador bate, bate, vendo que vai perder o jogo. E o sistema trava.

Então eu digo: eu não sei o que fazer. Eu não sei o que fazer. Eu não sei o que fazer. Espera, EU não sei o que fazer? E uma amiga me diz: e por que, criatura, você SEMPRE TEM DE SABER O QUE FAZER? Porque é só o que sei: pensar no que tenho de fazer para resolver. 


Dê-me um problema e eu irei resolvê-lo. Irei pesquisar, pensar, apontar um caminho, irei com você à rua pra vender rifa de jogo de panelas pra conseguir dinheiro para sua cirurgia de ponte de safena. Irei até o governador, até o presidente, farei protestos, falarei com pessoas, escreverei, criarei músicas, dançarei pra trazer chuva pro deserto, se um dia em Curitiba parar de chover. Sou boa nisso. E sou péssima em me deixar sentir. Só sentir. Sem ter de fazer absolutamente nada. Sem pensar, planejar, prever. Sem criar expectativas, fazer promessas. Sou péssima porque sentir significa não saber mais nada. Que tudo o que se sabe ainda é pouco e sempre será. Pior: o que se sabe não importa. Não vale um centavo. 


E todos os caminhos que consigo ver quando alguém me apresenta um problema desaparecem quando o que a vida me pede é: só sinta. Apenas sinta. Não precisa falar, escrever, pensar, criar. É só isso. Meu Deus, como se faz apenas isso? Nunca me preparei pra simplicidade que é não ter de fazer nada além de me deixar levar por mim mesma. Eu quero aprender. Mas aprender é pensar, raciocionar sobre a experiência. Céus. Aprender a sentir é uma incoerência ridícula. 


Bah, deixa pra lá.


Mas e se...







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