Do livro Inocência, de Kathleen Tessaro (pag. 55 a 59).
“ – E você? Quando vamos vê-la no palco?
Dou um risinho nervoso, alto e agudo. De repente, sinto-me
tão pouco à vontade; uma intrusa nessa conversa de ideais e preferências
artísticas.
- Ah, não, eu... eu quase não represento mais. Na verdade,
agora sou só professora.
Ele ergue uma sobrancelha.
Eu me atrapalho com uma caixa de saquinhos de chá. Mesmo sem
olhar, sei que ele está me observando.
- Estou velha demais para essas bobagens – digo, afinal. –
Há muito tempo abandonei isso tudo. Ou melhor, fui abandonada.
- E como isso aconteceu? – Ele dá mais uma mordida.
A esta hora da noite, já está muito tarde para revelar os
fatos da minha fracassada carreira de atriz a um estranho. Mas faço a bobagem
de tentar, mesmo assim.
- Bem, no teatro não é como na música, Piotr. Quer dizer,
são tão poucos empregos e tantas pessoas...
Ele joga a cabeça para trás e dá uma gargalhada.
- Ah, isso é verdade! Não tem quase nenhum músico clássico no mundo.!
Enrubesço.
- Desculpe, não foi isso o que eu quis dizer... –Tento de
novo. – Bem, nunca cheguei a representar nenhum dos papéis com que tinha
sonhado. Nunca cheguei nem perto deles. Acabei atuando só em filmes B, de
terror, alguns poucos comerciais...
- Você era uma atriz. – Ele dá de ombros, de novo. – E é
isto o que as atrizes fazem.
- Não, isto é o que as atrizes fracassadas fazem, Piotr.
- Não. – Ele sorri. – Isto também é o que as atrizes de sucesso
fazem. De fato, é tudo a mesma coisa.
Assim como Allyson, bati de frente com o Mundo Segundo Piotr
Pawlokowski. Aqui, as regras são diferentes.
- Bem, não... – gaguejo, tentando articular um raciocínio
ainda não formado.
- Você é americana. – Ele diagnostica a minha deficiência
com um único gesto de sua mão enorme. – Você dá importância demais à ideia de “sucesso”.
Nenhum artista encara a vida como sucesso ou fracasso, lucro ou prejuízo, bom
ou mau. O objetivo da arte se perde se ela é medida em termos comerciais.
Fico atônita.
- Mas foi horrível – balbucio debilmente.
Ele franze o cenho, pondo na boca o último pedaço.
- E você achou que seria divertido?
Faz-se um longo silêncio.
Eu nunca tinha pensado no assunto daquela maneira.
- Sim – admito. – Eu esperava que fosse muito mais divertido
do que trabalhar num escritório ou dar aulas a pensionistas ou... ou mesmo
qualquer outra coisa.
Ele ri.
- De onde você tirou essa ideia?
- Porque era assim que me costumava ser. – Não posso evitar
um sorriso ao me lembrar. – Era sempre mais divertido o que qualquer outra
coisa na face da Terra.
- Você não gosta de tocar piano? – Allyson vem em minha
defesa.
De novo, ele dá de ombros.
- Às vezes. Mas “divertido” não é uma boa palavras para
descrever a relação com uma forma de arte que há séculos abrange todos os
aspectos da experiência humana. – Ele me olha com tristeza. – Acho que vocês, americanos, são como
crianças que não gostam de crescer. O que é isso? “A busca da felicidade”. O
que é aquilo? “Ser feliz.” Onde está a nobreza de uma vida dedicada à
felicidade? É um objetivozinho bem medíocre.
- Pegue leve, companheiro. – Alysson se aproxima de mim; ela
adora conflitos. – Não precisa implicar só porque ela é americana.
- Eu não estou implicando com você. – Piotr olha para mim e
depois para Alysson. – Mas lá vem você de novo! “Pegue leve”! Nada pode ser
sério. Tudo deve ser pequeno, rápido... leve! – Ele anda de lá para cá,
frustrado, procurando pelas palavras como se elas estivessem flutuando no ar em
torno dele.
- Você é o herói da sua vida, especialmente quando se trata
de arte! Sem adversidade, obstáculos, onde está a aventura do herói? De que
adianta? Claro que você faz filmes ruins! Comerciais bobos! E daí? Eles são os
seus dragões; você os mata, e continua. Você é maior do que essas coisas! – Ele
dá uma virada. – O que você tem para oferecer às pessoas, que experiências, se
a vida for só “divertida”?
Abro a boca.
Depois fecho.”
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