domingo, 30 de agosto de 2015

Outro blog

Acho que nunca disse aqui que eu fui pra outro lugar. Mas fui: http://maispositivoquemildivas.blogspot.com.br/

Escrever em blog é dessas coisas da vida que a gente acha (ou finge) que esqueceu mas quando faz de novo, vê que continua sendo incrível.

domingo, 16 de agosto de 2015

O fim do blogger.com.br


Fui tentar ler o meu blog mais antigo e descobri que ele não existe mais. Não existe mais o Blogger.com.br. A Globo.com, que era a proprietária, tirou ele do ar em 30 de junho desse ano.

Seu blog não existe mais. Não existe mais há mais de um mês e meio e você não notou, então talvez ele não fosse mais tão importante assim.

Mas era.

Foi o espaço de uma moça que escrevia coisas aleatórias dos... 20 aos 25 anos, pelos menos. Tinha comentários de amigos que liam e conversavam comigo sobre as coisas escritas. Tinha minhas variações de humor e uns textos que hoje deviam me envergonhar. Mas tinha muita coisa. 

Nos últimos meses venho pensando fortemente em deletar todos os blogs que inventei. Tirar do ar esses textos que um dia tive o ímpeto de escrever e publicar e por isso eles ficaram aqui, na internet, e ficarão pra sempre. Ou, até esse serviço de blog existir. Tenho pensando nisso porque deixei de ter esse impulso forte de escrever e publicar, de escrever e escrever e escrever. 

Há alguns anos, eu sentia a necessidade de escrever e tornar público, de colocar em palavras o que sentia e o que pensava. Era algo como "penso/escrevo" ou "sou/escrevo". Era o tempo em que as pessoas estavam aprendendo o que era a internet. As coisas eram menos grave, mais divertidas, pelo menos na internet. A gente aproveitava para explorar os espaços e conhecer pessoas, sem receitas prontas e sem tanto medo. Não que não houvesse risco. Mas hoje parece tudo mais exagerado. Tudo uma overdose de gente e ideias e palavras. Parece ser um mundo que não precisa de tanta palavra, porque elas se multiplicam tão rápido e... quem é que vai ler tudo isso?

Mais do que isso, porque a gente vai escrever tudo isso?

Eu escrevia sobre coisas tão variadas porque a minha mente sempre foi assim, saltando de lá pra cá com mil histórias e ideias. Hoje, me cobro objetividade. E a parte reflexiva, que era o que tornava escrever tão divertido, foi ficando escondida nas minhas gavetas cheias de post-its e tarefas e contas e a vida adulta, de fato.

Hoje eu descobri que o meu blog mais antigo não existe mais. E me dei conta que a Globo.com tomou uma decisão que eu adiava há tempos. Decidiu que aquilo lá não precisa mais estar ali, existindo de forma infinita. Eu, por mim mesma, levaria mais 10 anos pra conseguir fazer o que fizeram sem pensar duas vezes. Taí o mundo corporativo cumprindo uma de suas funções, atropelando nosso passado e as memórias afetivas.
Talvez eu deva agradecer. Ou... recomeçar.

sábado, 29 de novembro de 2014

No fim, não era questão der ser bom ou ruim

Existe o medo de não ser completo. De tudo o que foi feito e pensando e sentido, no fim, não alcançar um índice mínimo de importância ou satisfação. Tudo o que foi dedicado a um amor simplesmente não ser suficiente: as coisas belas acabarem como se chega ao fim de uma caixa de bombons e não se te mais o que fazer com a caixa e ela vai para o lixo reciclável, independente do trabalho que tenha sido criar a caixa, desenhar o formato, pintar, desenvolver a melhor embalagem e contratar funcionários para os trabalhos manuais e administrativos e um entregador dos produtos e caixas de supermercado para vendê-la. Independente de tudo, o seu ciclo chega ao fim e é isso e na há nada mais que se possa fazer a respeito.

Um dia chegar a certo ponto de uma grande jornada de trabalho – vinte anos na corporação e se perceber tão essencial para a continuidade da firma quanto uma catraca que, depois de virar e virar e virar para todo lado, não combina mais com o ambiente e a gestão, que passaram a ser modernas e clean e não comportam mais nada que lembre um passado remoto, por mais funcional que tenha sido por tanto tempo. É sempre hora de evoluir em algum lugar e de repente é ali e você não cabe mais naquele espaço, nem nada relacionado a você, nem seu modo de pensar e suas estratégias classificadas de “pouco imaginativas” por alguém com a metade da sua idade e o dobro da sua  sagacidade.

Criar um filho por trinta anos e descobrir que a vida deveria ter sido mais do que se preocupar com cada detalhe da vida de alguém que um dia vai fazer as malas para morar em Paris e se casar com uma pessoa que não come carne vermelha nem laticínios nem permite que se entre em casa de sapatos. Trinta anos de fadiga para se ter de tirar o sapato para entrar na casa do próprio filho e depois voltar pra casa vazia que não te acolhe bem porque você nunca pensou em si mesmo em primeiro lugar então tudo tem a cara de outra pessoa que não vai mais fazer uso de nenhuma comodidade criada especialmente pra ele e que agora não pode ser usada por você, como tentar se acomodar em uma cama que não é sua e ser cortada pela faca enquanto prepara a própria comida porque a cozinha não é sua e a casa não tem seu cheiro e tudo te expulsa dali e você se vê sem filho e sem casa e sem saber quem é aquela ali no espelho e de onde veio tanta marca de expressão e porque não usou mesmo o filtro solar.

Tenho inveja das pessoas que conseguem viver dia a dia. Um pouquinho por vez e estão satisfeitas com aquilo que lhes aconteceu naquele dia, naquele pequeno e simples e bonito dia. Que não sofrem imaginando o que poderá acontecer dali a duas horas ou trinta dias, dependendo de como a situação está. Das que separam o tempo livre para serem de fato, livres, sendo felizes e tendo prazer sem atinar pro sofrimento do mundo que a cada segundo pode ser maior e maior até soterrar a todos em uma grande explosão, que, na prática, talvez não aconteça e então vamos deixar por isso mesmo e ver um filme na TV e passear com as crianças e comer um doce de batata doce.

Queria ter uma capacidade de deixar de maquinar o tempo todo sobre o que pode nos ocorrer ou o que já nos ocorreu ou o que deveria ter, caramba, acontecido, e de que forma e quando e por quê. De não pensar que daqui a tantos anos tudo isso pode ter sido besteira e me ver olhando para fotos e tendo a certeza de que foi mesmo uma grande bobagem ter investido tanto tempo naquele trabalho ou no romance que depois se mostrou um desastre quando houve uma situação inesperada qualquer e as duas pessoas se deram conta de que as coisas de tornaram insustentáveis.

Queria conseguir sentir que cada pequeno passo é uma benção e que sendo ele seguido de outros 140 que formarão um caminho coerente ou não, faz sentido por si só e que mesmo que seja o último e a vida acabe no meio de uma festa em que você está contando sobre um filme que assistiu, dizendo a frase de um personagem e imitando os trejeitos dele e não consiga terminar por um mal súbito, que mesmo assim tudo terá sido válido e bom e era isso mesmo que havia para ser vivido. Que não precisava de encerramentos de ciclos, de conclusões incríveis e entendimentos metafísicos sobre cada detalhe absurdo da vida e da morte e do gosto do sorvete de Flocos. Que pode ser isso aí mesmo, isso aí que está acontecendo ou não acontecendo, esse azul do céu que agora é menos claro e depois vai ser escuro e depois claro de novo. Que é isso que se tem e no fim, não era questão der ser bom ou ruim ou de se classificar e julgar pessoas e acontecimentos, mas que simplesmente se é e se foi e isso foi, afinal, a sua vida.


segunda-feira, 23 de junho de 2014

Toda a vida

Foto retirada de: Ravishlondon.com

As pessoas e seus pesos na rua, quase consigo ver os balõezinhos com as preocupações. As que acordam às cinco da manhã e voltarão pra casa depois das dez da noite e moram longe e têm três filhos pequenos e nenhuma ajuda da família. As que acordam às seis para ir academia antes do trabalho e têm como meta perder 2,5 quilos de massa gorda em uma semana. As que compraram um carro vermelho e gostam de ouvir rock durante o trajeto de 15 sinaleiros e poucos quilômetros. As que não esperam mais nada da vida e têm olhos parados, secos, e que se assustam quando você dá um bom dia.

Elas continuam a acordar todos os dias e sair de casa para compromissos porque lhes disseram que a vida é isso mesmo: arcar com as consequências e lidar com coisas sérias. E ser sério e batalhar e nunca ceder ao mal estar da gripe. 

E elas aguentam desmandos e corrupção, engolem sapos e tentam dizer que isso ou aquilo está certo ou errado. Reclamam do preço da gasolina e gostariam de ajudar o pedinte que está na esquina mas dá medo de abrir o vidro do carro ou passar do mesmo lado da calçada. 

Preocupam-se com pequenas coisas e se arrependem. Esquecem de tirar a roupa do varal e maldizem a chuva das cinco e meia da tarde. Compram pão no domingo de noite e se ressentem da massa murcha em que ele se transforma na manhã seguinte.

Pedem umas às outras em casamento, se casam. Têm filhos sem saber se é isso mesmo que devem fazer. Tiram fotos e fazem festas de um ano, dois anos, três anos e depois reclamam que a criança quer um Iphone de presente. Dizem “no meu tempo” e se sentem velhas vendo os mais novos revirarem os olhos com tédio. 

Tentam se adaptar às mudanças do Detran, dos impostos, da sinalização e com a faixa exclusiva de ônibus que de um dia pro outro aparece na rua de casa. Desejam se aposentar o quanto antes, aí se lembram que quando estiver perto da aposentadoria estarão bem mais velhas e percebem que não tem porque desejar isso aos 25 anos. 

Erram na hora de escrever oje, muinto, intediada, dizem que uma pessoa não é descente quando querem dizer decente, emitem opiniões equivocadas sobre a política porque hoje é preciso ter qualquer opinião sobre tudo. Apelam para Nossa Senhora e viajam para conhecer o túmulo de Jesus e se sentem abençoadas com o nascimento de uma criança ou a cura de uma doença.

Pensam se deveriam falar com aquela pessoa especial e chamar para um cinema, pensam se aceitarão aquele convite para sair mais tarde. Se devem dizer que não, que já chega e é hora de cada um ir para seu lado. Cogitam se matar se forem abandonadas. Falam mal dos colegas de trabalho. Esperam uma promoção mesmo sem nunca ter pedido uma por falta de coragem. Pedem licença quando gostariam de pedir em namoro. Planejam falas e puxam assunto sobre o tempo.

Contam suas histórias para outras pessoas que têm outras histórias e as vidas acabam se misturando. Choram por mortes, fazem promessas por novos empregos, planejam iniciar uma rotina de exercícios físicos e incluir granola na dieta. Medem quanto o filho cresceu com marcas de lápis na parede da sala de casa. Acreditam em teorias da conspiração e escrevem comentários em letras maiúsculas em sites de notícias. Odeiam a Dilma e acham que o PT é a praga o Brasil. Simplificam raciocínios e não abrem mão de suas verdades absolutas. Jogam na loteria uma vez por mês e esquecem de conferir os bilhetes. 
Fritam ovos e jogam sal demais. Gostam de dar boa noite na hora do Jornal Nacional. Gostam de sentir a água na cabeça durante o banho e se afogam quando esquecem que não podem levantar o rosto e sentem o gosto da água quente entrando no nariz e saindo pela garganta.

Protegem as bolsas e carteiras de ladrões na rua, colocam senhas para entrar em casa, guardam o dinheiro todo no banco e usam a data de nascimento como senha de e-mail.

Indicam remédios para amigos porque funcionaram para o tio, indicam lojas de roupas, indicam restaurantes e destinos turísticos e depois dizem que você tem de ir. Falam que superaram os ex amores e falam mal dos pares atuais deles. Esquecem porque terminaram a última relação e sentem falta de coisas pequenas. Adotam a dieta da moda e contam que o shake faz perder 800 calorias por dia - pulando apenas três refeições a cada 24 horas. 

Confiam na memória do celular e perdem todos os contatos. Não confiam nos vizinhos porque um dia uma bicicleta foi roubada na garagem. Fazem terapia hormonal e teste de gravidez na mesma semana. Ficam horrorizadas com assassinatos e guerras e assaltos a mão armada no posto de gasolina. 

Atravessam a rua escrevendo uma mensagem no celular sem ver o ônibus amarelo em alta velocidade. 

E morrem sem terminar de digitar que aceitam o convite para jantar mais tarde - mas tem de ser depois das 20h porque têm aula de inglês antes. Apenas por distração. 

sábado, 31 de maio de 2014

Tensão pura e simples

Um dia aconteceu. Eu fiquei séria demais, preocupada demais, adulta demais. Quando era criança, não me lembro de ter pensado que seria uma pessoa tensa. Achava que aos 25 seria bem resolvida e feliz e teria uma vida nos eixos e um bom emprego e uma casa.

Aí eu viro uma pessoa tensa. Ei, olha lá, aquela não é a Gislaine? Imagina, a Gislaine que conheci tinha tempo para um sorriso e um café e uma palavra com estranhos. Essa aí nem olha para os lados e evita pessoas que não conhece.

(Acho tanta coisa sobre tudo e no final vejo que só posso ter razão sobre mim. E às vezes nem isso.)

Talvez tudo o que eu pense sobre o mundo esteja levemente equivocado. Pode ser que o ângulo pelo qual vejo as coisas esteja 134 graus para o lado errado.




terça-feira, 20 de maio de 2014

A paz

Tenho quase 30 anos e já não corro mais, dentro da minha mente, como corria há seis meses ou dois anos. Corro para trabalhar e dar conta de atividades diferentes, mas parece que dá tempo de pensar se é isso mesmo que eu quero fazer ou devo. Como se tivesse conquistado um espaço só meu em que paro, sento, olho pra paisagem, de cima, e fumo um cigarro com tranquilidade. Isso no meio de tudo o mais que acontece diariamente.

Tenho um espaço em que nada acontece, que não é abalado pelas mais fortes tempestades. É um centro que permanece calmo. Em alguns dias ele se espalha e eu consigo ficar mais tranquila, olhando os acontecimentos apenas como um ruído em volta dessa área calma.

Sempre quis ter um espaço - físico mesmo, em que pudesse olhar o mundo lá de longe. Quando eu morava em um prédio alto, lá em Ponta Grossa, era o que mais gostava de fazer sozinha. Olhar as pessoas lá embaixo, a nuvem mais em cima, os prédios e as luzes e todo o movimento, de longe. Sinto falta disso, hoje. Mas posso aproveitar o centro calmo da minha mente, ao menos.

Conquistei muita coisa. A paz é a mais importante delas. Claro que volta e meia me escapa. É igual bicho arisco, que não dá para prender ou se aproximar com intenção de controlar. É igual sonho lúcido. Quando se dá conta de que ele está ali e, uau, percebe que é hora de aproveitar, ele acaba.

Queria que ela ficasse pra sempre.






sábado, 26 de abril de 2014

Por isso

Fico triste quando descubro um blog de autor que escreve muito bem - mas já parou de escrever. Em... 2010.


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Ninguém sabe coisa nenhuma





 Parte I - Certezas

De repente você está lá, admirando uma pessoa por quem ela é ou o que ela faz. A criatura parece inteligente, então você decide que ela, definitivamente, sabe o que está fazendo - na vida, no amor, no trabalho, em algum aspecto relevante.Uau, como ela sabe conduzir a própria vida. Uma empresa. O país.

Mas tem um pequeno segredo aí, que ninguém nunca comenta e que eu levei anos pra descobrir: a maioria das pessoas NÃO FAZ A MENOR IDEIA DO QUE ESTÁ FAZENDO. No mundo. Com a própria vida. Com a vida do outro.

Não sabe se as coisas vão dar certo - seja a mudança de emprego ou aquela cirurgia nos quadris que terá de ser feita até o fim do ano. Até os chamados "tomadores de decisões", os grandes líderes - eles também não sabem muito não. Os pais? Pfff, menos ainda - criar filhos (dizem) é se dar conta de que o mapa de tudo o que se sabe ou não vale nada ou precisa ter a rota corrigida em ao menos 180 graus. 

Você pode, claro, estudar, ganhar experiência e se transformam no grande especialista em certos assuntos. Mas mesmo assim estará no eterno ciclo de tentativa e erro (ou especialistas não erram jamais?). E não vai se livrar fácil das dúvidas que orbitam em torno de cada decisão que precisa ser feita.


Então a questão é: ninguém tem certeza. De nada. O mundo é feito de subjeções, abstrações, incertezas, neblina e desvios.

Parte II - Fé em si mesmo
E mesmo assim, percebendo o tamanho da incerteza sobre o qual o universo se sustenta...

Você alimenta todos os dias uma imagem imaculada de pessoas à sua volta: aquele cara ali, tá vendo? Ele é foda. E aquele profissional? Putz, que homem sagaz. A tia Joaquina, essa sim tem inteligência emocional. O amigo de infância realmente sabe lidar com a vida. E essa admiração gera respeito. Você conclui: a pessoa sabe o que está fazendo, eu não faria melhor no lugar dela. 

Mas não é verdade. Você pode fazer, sim. 

Me dei conta de que muito do que admiramos nos outros somos capazes de realizar da mesma forma que eles – ou ainda melhor. Mas é muito fácil nos apegar a rótulos e aceitar que a capacidade do outro é sempre maior. E digo - em geral, NÃO É. 

Talvez você nunca tenha tentado fazer determinada coisa, nem ver do ponto de vista daquela pessoa, talvez não tenha passado pelas situações pelas quais ela passou e que a moldaram de certa forma, mas não é isso que faz ela ser melhor que você. 

Um dedo a mais de coragem e atitude, penso eu, é o que distancia aquele que cria daquele que se contenta em admirar a obra criada (ou seu autor).

Foi assim que deixei de colocar pessoas em pedestais. Todos os grandes santos que idolatrei caíram de cara no chão e viraram pessoinhas pequenas que erram, sentem medo e não sabem nada do dia de manhã - (um segredo: alguns não sabem nem conjugar verbos no futuro). 

Um dedo a mais de coragem e seremos todos incríveis. Vai por mim.

Tema livre

Quando a professora de redação tinha preguiça, chegava na sala e dizia: vocês vão fazer uma redação pra entregar no fim da aula.

- Qual o tema, professora?

- Tema livre. Escrevam sobre qualquer coisa, o que quiserem.

E eu me esforçava pra achar um tema, um ângulo, um motivo.

Na vida é igual. Às vezes tem um grande tema norteando os dias. Eles mudam, mas quase sempre tem um.

Quando ela vem e diz: é tema livre, eu simplesmente não sei muito o que fazer.

É tema livre, Gislaine. Se vira.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Os fragmentos, o ovo e o bolo.

Imagem do clipe de Somebody That I Used to Know, do Gotye

Houve um tempo em que eu me sentia responsável pelo mundo.

Escrever (de verdade) tem sido mais difícil.

A internet vai se transformar numa única e grande imagem.  Formada por todas as fotos postadas em redes sociais. Lado a lado, juntas, em uma única composição, vão formar... a imagem da Lady Gaga. Algo sem propósito, somente junções de fragmentos sem sentido fora de seu contexto real.

O abismo que sempre separou quem eu quero ser e quem eu sou parece estar ficando menor. Quem sabe logo bastará colocar uma tábua entre os dois lados e lá estarei: sendo, apenas.

É difícil, tem sido sofrido e definitivamente não é rápido, mas passar do controle total para a aceitação pura e simples é cada vez mais necessário.

Eu não controlo o mundo. Sorte a minha. Ou dele. Ou sua. Não sabemos ainda. Os estudos não foram conclusivos. Igual com ovo: um dia, ele é bom pra saúde. No outro, responsável por 47% dos casos de infarto e pressão alta. No outro, é um chocolate que embrulham e dão de presente fingindo comemorar alguma coisa religiosa.

Falar sobre mim é usar as palavras sempre, tanto, muito, preciso, quero, devo, não posso, muito, tanto, sempre, nunca, vou. Sempre.

Falar sobre mim é menos comum hoje. Todos têm sido tão egocêntricos. E eu descubro que isso me incomoda. Há tanto a se falar sobre o que há lá fora. E tem gente que só consegue falar relacionando o que há lá fora com o que há dentro de si. Talvez estejam certos e eu que perdi o bonde em algum momento. O bonde do selfie. É o carro... do selfie que tá passando. Fotos na praia, na rua, na chuva e na fazenda. É o selfie novinho, igual o de ontem. É o carro... do selfie que tá passando.

De vez em quando eu descubro que a vida não é uma listinha de to do things. Que é maior do que o que eu consegui fazer no final do dia ou da semana. Que ela vai embora rápido e a caixa de entrada vai estar sempre cheia.

Mas só de vez em quando, porque em geral estou me dedicando a fazer listas de coisas a fazer e depois, me dedicando a fazer as coisas, sofregamente. E depois, em riscá-las da lista, uma a uma. As que eu não consegui fazer, risco por raiva mesmo. Rabiscos e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

Sinto falta do livro Os diários de Sylvia Plath que um dia vendi no sebo quando me peguei sem nenhum dinheiro e com muito orgulho pra pedir ajuda. 

Vender livros é uma coisa que me causa arrependimentos em 99% das vezes. Igual comprar tênis. Uma ótima ideia no momento. E uma amargura que dura meses, depois. 

Mas, bem, não se pode comer um bolo sem o perder (disse o Fernando Pessoa). É só fazer mais deles. Pronto, sem dramas.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Ano novo, again.


Há muito menos obrigações na minha mente do que sempre existiu. Elas gritavam comigo: você TEM de fazer isso. É PRECISO. Fazer, ligar, ir até, falar, reclamar, escrever, cozinhar.

A obrigação está me deixando em paz. Ela aparece às vezes, julgando: você não fez? Mas a culpa acaba virando autocompreensão - eu não preciso fazer tudo. Nem ser tudo. Nem ser. Aliás, não preciso de coisa nenhuma, a não ser existir. (Dizem que até disso é possível se livrar, mas não é a pauta do dia.)

E eu deixei de me martirizar. Da garota que antes queria dar conta de tudo, passei a ser a que não quer dar conta de nada. Telefonemas, mensagens, festinhas, convenções sociais.

Talvez um pouco anti-social. Talvez um pouco fechada, diriam. 

Mas guardar essa energia pra mim tem feito muito bem. Darei um alô se você insistir muito. Se for essencial pra alegria ou vida de alguém.

Senão, ficarei por aqui, na minha. Jogando Candy Crush e vendo Breaking Bad abraçada com meu namorado, com um ventilador quase na cara, sentindo que o que tenho é até mais do que me basta.



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A paz da minha sala


Eu me ocupo na maior parte do dia. Se não estou fazendo algo, estou pensando em fazer e em como fazer. E no resultado do que fiz. E no que vai dar quando eu fizer.

Em todas as épocas eu me ocupei. Com os outros, com os estudos, com o trabalho, com a rotina, com o namorado, com... algo que permitia que eu me ocupasse com.

As horas de não fazer nada raramente são horas do nada puro. É o nada que antecede o algo. Provavelmente sintoma dos tempos em que é preciso correr. Pra qualquer lugar. O tempo todo.

Hoje, olhando pro meu apartamento percebi que não me permito curtir o nada. É quase um pecado. Aproveitar o vazio, a falta de expectativa, de ideias. Aliás, falta de ideias hoje me pareceu um paraíso, até tô quase conquistando minha própria absolvição por não fazer nada desde o final da tarde.

E hoje, quando olhei pra sala, pensei o quanto não dedico tempo nem dinheiro pra tornar esse meu espaço mais prazeroso não pra mais ninguém, mais pra mim.

A primeira ideia que ocorre? Ah, eu seria feliz com uma vitrola. E uns quadros ali e uma estante aqui.

Parece que eu tô sempre vivendo em função de um amanhã que nem é meu. Como se estivesse trabalhando pra conquistar o direito de ter paz de espírito, mas pra isso preciso correr e gritar no meio de uma multidão que grita mais alto.

 A bagunça da minha sala acabou de me dizer: ei, a paz tá bem aqui. Mas precisa de uma decoração melhorzinha.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Olha, um título.

Acho que me perdi nos anos 10. Entre tags, mensagens, tecnologias, obras para a Copa do Mundo, vídeos do Youtube, power yoga, os desenhor da Pixar, o LinkedIn, o delivery por internet, o preço alto da Farinha Láctea, a realidade aumentada, o "feat." dos vídeoclipes, a nova ortografia (ah, a nova ortografia), o show do Elvis com holografia, as mechas californianas, os trending topics, o hang out e o brigadeiro gourmet.

Ou estou num universo à parte, olhando tudo de cima ou de lado ou por entre o buraco do bule onde o Chapeleiro Maluco pega seu chá e oferece para o ratinho.

Sou uma palavra digitada no Google e em 0,0004 segundos me transformo em estatística que será analisada por robôs inteligentes e analistas insensíveis ao cheiro da Dama da Noite em uma rua cheia de carros.

Estou no meio de uma massa de eleitores indecisos e compradores impulsivos que não resistem a um chocolatinho na fila do caixa rápido do mercado.

Sou a moça que passeia com o cachorro e:

- gasta R$ 23 reais na padaria com lasanha congelada, leite, Toddy, sucos Del Valle e uma coxinha (e sai da padaria sem UM pão);

- se controla pra não gastar dinheiro quando não tem, mas cai na besteira de comprar um jardim zen (com pedrinhas, plantinha e dragão) simplesmente porque acha que merece um presente;

- não aceita os pedidos de atualização do computador;

- acha o plástico PVC uma das melhores invenções para a cozinha de todos os tempos;

- está perdida entre tags, mensagens, a nova ortografia e a merda dos concursos públicos com UMA mísera vaga pra jornalistas no Brasil todo.

É, não tem um fim cabível nem bonitinho. Pode ter uma carinha, é uma carinha, isso te anima?

=|

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Tá lá a moça, tentando

Cena de "O diário de Bridget Jones"

Acabo escrevendo sempre em terceira pessoa. Sou um pouco voyeur. Ok, sou bastante. Tenho dificuldade em tornar real, na minha cabeça, o que é escrito em primeira pessoa se sei que não é verdade. Que não aconteceu. Consigo tornar factível só o que é real. Mania de jornalista? Escritora de merda, eu diria.

Começa e vou até três, quatro parágrafos. Tudo soa ridículo e forçado. A tendência a ser autobiográfica me perseguindo. E o que não é sobre a gente mesmo, afinal?

Conheço pouco da vida, diz a voz da crítica interna. E o amor, o que é o amor, se colocado em páginas? E o que precisa ser colocado em frases e palavras e virar textos e livros e filmes?

Gosto das pessoas reais, das histórias reais. Mas tenho problemas com conflitos. Tô lá, vendo um filme. Quando chega a hora do conflito, do desastre, das mortes, dos alienígenas invadindo a Terra e eu quero parar. Encaro um filme como se fosse a verdade. Que pra mim a história é sempre real, senão não tem sentido. E eu sinto a dor dos personagens e não quero sentir. Sinto a angústia, o desespero. Me dói, quero sair e ver flores e bichos que falam em desenho animado.

A fuga de conflitos e a dificuldade de contar uma história em primeira pessoa. Os dilemas que enfrento (de que fujo, vamos falar sério) na hora de escrever são os mesmos que me afligem na vida cotidiana. Óbvio, óbvio.

Tá lá a moça evitando conflito e dizendo o que todos querem ouvir. Apaziguando, botando panos quentes, equilibrando lados da balança, criando climas agradáveis a todo momento. Tá lá a menina buscando o lado positivo da vida, ainda que fale mais do lado negativo. Tá lá a mulher que passa por cima dos problemas com o rolo compressor e não absorve, não assimila, não resolve. Vai passando, jogando flores e tentando ver as belas cores da manhã que aparecem em meio a um campo seco, árido.

Tá lá a moça que quer fazer mil coisas e se perde em interrupções. Da mente, do Facebook, do próximo trabalho, da televisão, da distração que é viver o tempo todo dez minutos à frente ou oito meses para trás.

Tá lá ela. Sentada, de moletom preto e meias brancas, corcunda e com marcas de postura errada na barriga, se descrevendo ridiculamente em terceira pessoa. Foi ali fazer chocolate quente e disse que já voltava. Mas se distraiu com a novela.




segunda-feira, 10 de junho de 2013

Me dá...

...um pouco de motivação. Um rastro de iluminação. Um pedaço de vontade.

Amém.

domingo, 26 de maio de 2013

Poesia, lirismo e sentimento



Perder o sentimento é assim: de se fazer todo dia as coisas da vida, ele vai embora. Mas não é um sujeito ativo, é passivo: a gente é que deixa ele ir embora. Porque tem preguiça de cultiva, cavar, regar.

Eu perco o meu sentimento - e nem é por pessoas - assim, por displiscência. Aquela coisa da vida ser bonita. Não basta ser bonita, tem de emocionar.

Sou bastante ligada a espiritualidade e músicas de meditação sempre mexeram comigo de maneira positiva. Dia desses coloquei uma delas e... não senti absolutamente nada. Foi como se existisse só um vazio, um vazio que não se incomodou com nenhuma nota, que não sentiu calor ou frio, que não se deu ao trabalho de olhar pra fora pra ver se havia um mundo girando. Foi bem estranho. E passou.

Eu fico bem contente quando algo consegue me trazer de novo um sentimento genuíno, forte, dos que comovem e fazem perceber que é importante sim ser tocada lá na alma. Tem pessoas que conseguem fazer isso e sou grata por encontrá-las pela vida afora. Mas também tem músicas e livros e cenários e comidas e filmes que me dizem: ei, sente, é vida!

(E um filme acabou de fazer isso comigo. O nome é Léo e Bia, foi dirigido pelo Oswaldo Montenengro e conta a história de um grupo de amigos que fazia teatro nos anos 70, em Brasília. Um roteiro como outro qualquer, mas com poesia, música, sentimento.)

Mas é preciso estar aberto a isso: buscar o que se quer sentir. Eu acabo deixando de lado, precoupada com o hoje, o ontem e o amanhã, brigando com pensamentos desalinhados e tentando fazer das vozes interiores um coro harmonioso (quando não passam de um grupo revoltado em pleno protesto na Avenida Paulista).

É esse sentimento - que volta e meia perco - que me conduz a lutar pelo que desejo, a ver lá dentro o que é real e o que é projeção, o que é importante e o que não passa de uma unha lascada. E preciso disso todos os dias porque no intervalo de tempo em que não tenho isso o tempo nem passa direito, fica só se enrolando, em círculos, com dois palitinhos malucos dando voltas num prato vazio.


domingo, 12 de maio de 2013

Trajetória parabólica


Esse é meu maior medo. Muita gente tem medo da morte. Tá, também tenho, como é quem vai saber? Tem os do medo do escuro. Que eu só tenho bem às vezes. E tem o medo da Lady Gaga. Ah, quem não tem? Não? Eu tenho.

Mas não era isso. Era: medo de ficar parada.

Você sabe, ficar no mesmo lugar, sem evoluir, sem mudar, sem ter um novo cenário e novas aspirações.

Sim, você sabe, é um medo imaturo. Eu nunca disse que era madura. Apesar de me dizerem o tempo todo, desde que era criança: nossa, como ela é adulta. Digo: isso não é bom. Inverter o jogo não é bom: ser adulto na infância e bocó na vida adulta. Tem de ser bocó na infância e tá tudo certo.

Mas não era isso, era?

Ah, então. O lance de ficar parada. Eu tenho medo. Então mudo. Ok, as mudanças podem ser superficiais, mas acontecem. Você sabe. De cidade. De emprego. De namorado. A disposição dos móveis. A hora de acordar.

É que eu gosto de começos. É que tenho medo de finais. É que sou movida a emoção. Eu enfrento de cabeça erguida um novo lugar, novas pessoas, novidades, novas variáveis. Não enfrento bem o já estabelecido. Não enfrento bem o fato de saber o que vai acontecer na semana que vem.

Uns tempos atrás eu me obriguei a analisar essa mania de mudar. Sem ir muito fundo, dá pra dizer que o que é real me assusta. O começo é mais um campo imeeeenso de probabilidades. Gasto toda minha energia e obsessão até certo ponto. O alto de determinada parábola em que a bola alcança seu ponto máximo em X. E depois começa a cair. E ganhar mais força. Até... Eu conseguir lançar a bola de novo. Dessa vez tem de ser mais alto. Mas nem sempre é.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Direto do Túnel do Tempo

Era 2006 quando digitei isso aí ó. Fazia tanto sentido...
 
Se virar o vento...

Naquele domingo chovia e o dia estava estranho. A sombrinha era velha e a menina, nova. Os carros passavam devagar. Um carro insistia em passar ao lado. O moço do carro olhava e ela teve medo. Ele passou de novo. E de novo. Ela desviou o caminho. Se o carro passasse de novo ela iria até a porta e diria: não gaste tempo ou gasolina comigo.A chuva parou. O carro não passou mais. A sombrinha se tornou um incômodo.

Ela estava lá, na hora marcada. As pessoas caminhavam, conversavam. Ela estava apenas parada. Sentada, esperava. Ela estava lá. Na hora marcada. Chegou. Conversaram. Tinham vinte minutos. Ela começou a fazer contagem regressiva. Faltando quinze minutos viu que o tempo era curto. Faltando dez achou que era tempo demais. O ônibus chegou. Ele deu um abraço, dizendo "não posso fazer o que eu quero, não pode ser como eu quero", e entrou no ônibus. Viajou, foi embora. E agora era ela quem precisava voltar pra casa.

Achou melhor pegar um ônibus. E como não chovia, pensou que seria bom descer alguns pontos antes de  casa pra caminhar. Quando desceu, começou a chuva. Tudo bem, pensou ela, tenho uma sombrinha. A sombrinha não pensou nada, apenas virou com o vento. Se arrependeu em seguida e voltou ao normal. Não que adiantasse alguma coisa. A chuva era forte. Faltavam ainda seis quadras.

Os carros passavam devagar. Ela se escondia da chuva. E das pessoas. Um casal se abraçava embaixo de uma marquise. Faltavam ainda três quadras, a roupa estava pesada. Um senhor na rua corria em um ritmo certo demais. Ele não fugia da chuva, estava fazendo exercícios.Ela andava devagar, era cedo ainda. Pisava nas poças de água e deixava a sombrinha virar. Não tinha pressa, era cedo. E ela não tinha hora marcada.

domingo, 5 de maio de 2013

Faz tantos anos, garota...

Fomos amigos um dia.
As coisas eram legais.
Tive saudade.


Tudo ficou pequeno e distante: um amigo, um dia.
Faz quanto tempo e... por que mesmo não somos mais os mesmos?


A saudade aparece às vezes e me fala
que as coisas têm de ser ditas às pessoas - e não escritas em computadores.
Eu finjo que não ouvi e faço: tsc.
E boto uma música velha pra tocar.



.



Platonismo: a vida, o livro e o capítulo




Enxergar as consequências do platonismo na vida daquela moça é a coisa mais fácil do mundo. Ela passa os seus dias entre as possibilidades do universo paralelo, onde as milhares de coisas que não faz são realizadas das mais divertidas maneiras. As coisas que jamais aconteceram, essas eram as melhores. O beijo que nunca deu, a viagem que nunca fez, as amizades que não criou nos bares que não frequentou. O garoto com quem não ficou, o sexo que não aconteceu, o emprego que não conquistou, a faculdade que não fez, a rua por onde nunca andou e a árvore onde nunca escreveu seu nome. Das coisas não realizadas ela fez seu platônico mundo perfeito. E nele vive cada dia enquanto trabalha, caminha e respira no mundo real, onde nada é tão importante assim.

Mas se é pra contar a verdade, então é bom dizer que o platonismo só passou a ser a forma de viver dessa moça por causa de um garoto. O primeiro por quem foi apaixonada e que a fez negar pra si mesma qualquer chance de ser notada.

Eram os anos 90 e ele usava sempre uma camiseta regata laranja listrada, tinha olhos verdes e andava pelo pátio da escola do primário. O sol fazia sombras engraçadas no meio do jardim com arbustos e as crianças suavam, correndo sem rumo, até o fim do recreio. Às vezes brincavam de pegar, em círculos, enquanto ela comia bolachas wafer com iogurte.

Em uma manhã qualquer, ela estava no pátio, sentada, fazendo o que mais gostava: olhar as crianças e seus jeitos diferentes enquanto o sol esquentava seu corpo de dez anos de idade. Olhava para o garoto que pulava e brincava com amigos sem enxergar a gravidade da vida e, meu Deus, talvez nunca viesse a enxergar. E no pequeno intervalo de tempo entre ele tirar a mão do bolso da calça e olhar para o relógio digital, mexendo nos cabelos loiros que caíam sobre os olhos, ela se assustou com a descoberta que veio sozinha e a fez ter uma certeza absurda que não podia nem explicar, mas que deixava muito claro: ele nunca vai me dar bola. Nunca, nunca, nunca.

Nunca.

Como brincar de qualquer coisa depois dessa certeza tão funda, doída, e, para ela, totalmente real? Como pensar em tabuada e pronomes pessoais depois de um momento de lucidez que não combinava com a idade de uma garota que se arrumava todos os dias para que ele, só ele, olhasse pra ela daquele jeito de quem quer dizer algo e nunca diz? Como comer o sanduíche de queijo que a mãe iria lhe preparar assim que chegasse em casa? Como assistir o telejornal com o pai e depois ler gibis? Como viver depois?

Era só uma terça-feira da infância e a promessa de uma vida inteiramente platônica acabara de acontecer pra ela. Aos dez anos ela já não se via capaz de conquistar as coisas mais simples como um olhar de cinco segundos do garoto da quarta série. Obviamente que décadas de frustrações a esperavam, pacientemente, ainda que não soubesse que naquele momento em que acabara de definir seu papel no próprio futuro: a garota dos amores que não aconteceriam. Ou a garota que só não teria o que mais desejasse na vida.